TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

281 acórdão n.º 45/14 43.º Estamos, porém, nos presentes autos, no âmbito do chamado Direito da Mera Ordenação Social, ou do Direito das Contraordenações, concebido como um instrumento de intervenção administrativa de natureza san- cionatória, no sentido de garantir maior eficácia à ação administrativa. O Direito das Contraordenações surge como um novo ramo de direito sancionatório, autónomo do Direito Penal, mas que com ele mantém profundas ligações. Assim, o Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10 (RGCO), que define o regime geral do Direito de Mera Ordenação Social, no seu artigo 32.º, define o Direito Penal como direito subsidiário e, por força do seu artigo 41.º, no que ao regime processual se refere, determina que o Código de Processo Penal seja tido como direito subsidiário. No entanto, a aplicação do processo criminal, enquanto direito subsidiário, tem como limite a salvaguarda do próprio regime do processo de contraordenação, como resulta da 1.ª parte do n.º 1 do artigo 41.º do RGCO. Pelo que, não obstante a aproximação existente, não se pode confundir o processo criminal com o procedi- mento contraordenacional, até pela natureza distinta de cada um desses ordenamentos e das respetivas sanções, que constituem medidas sancionatórias de caráter não penal. Por outro lado, a autonomia do tipo de sanção, previsto para as contraordenações, repercute-se a nível adjetivo, não se justificando que sejam inteiramente aplicáveis, ao processo contraordenacional, os princípios que orientam o direito processual penal. A diferente natureza dos processos impõe, ainda, que a invocação das garantias de processo criminal, em sede de procedimento contraordenacional, deva ser rodeada de especiais cautelas. 44.º Ora, a arguida foi devidamente ouvida durante o processo contraordenacional e esteve em condições de se defender como entendeu, tendo mesmo impugnado, judicialmente, a coima que, no respetivo âmbito, lhe foi aplicada. 45.º A aplicação de uma coima à arguida resulta, assim, do entendimento, aliás justificado, por parte da auto- ridade administrativa, de que: a) o motorista infrator atuava, no dia da prática dos factos, no interesse, e sob a autoridade e direção da arguida, uma vez que cabia a esta distribuir-lhe o serviço; b) não se fazia, de facto, acompanhar dos discos de tacógrafo respeitantes aos últimos 28 dias de trabalho, que executara; c) a arguida tinha o dever de organizar o trabalho dos seus motoristas no respeito das disposições legais em vigor, fornecendo-lhes, para o efeito, todas as instruções necessárias e mantendo controlos regulares ade- quados; d) devia, por outro lado, assegurar que os seus motoristas zelassem pelo bom funcionamento e pela correta utilização dos tacógrafos; e) ao não evitar a prática da infração, a arguida agiu, assim, com negligência, sempre punível no âmbito das infrações laborais; f ) a não imputação da responsabilidade contraordenacional à arguida, acabaria por levar à sua impunidade e desresponsabilização social, tanto mais indesejável, quanto é ela que beneficiaria, em primeiro lugar, do cometimento da infração. 46.º Por outro lado, a coima aplicada não se revelou inadequada, desproporcionada ou arbitrária, atendendo aos valores mínimo e máximo aplicáveis e ao facto de se tratar de uma contraordenação muito grave. 47.º Não se poderá, pois, dizer, como o faz, temerariamente, a sentença recorrida, que a autoridade admi- nistrativa – ACT – considerou, sem mais, a arguida responsável pela contraordenação, “não exigindo qualquer comportamento ilícito ou culposo por parte daquela em termos de lhe ser possível assacar-lhe a responsabilidade pela prática da contraordenação”. Bem pelo contrário, como se viu, a autoridade administrativa procurou definir, com precisão, as razões que a levaram a considerar a conduta da arguida, no mínimo, como negligente. E fê-lo com recurso a argumentação diversa e adequada.

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