TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
28 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Se à luz do n.º 1 do artigo 4.º da LORR está delimitado o exato momento até ao qual se pode apresentar um referendo sobre matéria objeto de uma iniciativa legislativa em curso de discussão e votação, já não é tão claro quanto à admissibilidade de se referendar matérias que foram objeto de iniciativas legislativas anterior- mente rejeitadas pelo parlamento, como é o caso da segunda pergunta referendária. A norma daquele artigo 4.º não afasta essa possibilidade, pois reporta-se apenas às questões suscitadas por atos legislativos (e convenções internacionais) em processo de apreciação, acentuando que «podem» ser objeto de referendo. Não se diz aí que «apenas» essas podem ser referendadas, caso em que seria mate- rialmente inconstitucional, por desconformidade com os n. os 2 e 3 do artigo 115.º da CRP. O acesso ao referendo por parte dos deputados e grupos parlamentares, do governo ou dos cidadãos incide sobre “ques- tões de relevante interesse nacional”, independentemente das mesmas estarem pendentes de apreciação na Assembleia da República ou no Governo. Não tendo por finalidade aprovar ou rejeitar normas jurídicas, «o referendo opera normalmente à margem do processo de criação, modificação e derrogação das leis – por outras palavras, à margem do processo legislativo –, atuando num momento anterior à decisão legislativa» (cfr. Maria Benedita Urbano, “O Referendo. Perfil Histórico Evolutivo do Instituto, Configuração Jurídica do Referendo em Portugal,” in Stvdia Ivridica, Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra Editora, p. 187). Por outro lado, a inexistência de procedimento legislativo não é obstáculo à concretização dos efeitos jurídicos inerentes ao referendo. Como anotam Gomes Canotilho e Vital Moreira, «no caso de o referendo ter incidido sobre uma questão independentemente de uma determinada iniciativa legislativa ou de uma concreta convenção internacional, os órgãos competentes ficam constituídos no dever de desencadear o respetivo processo legislativo ou de negociação internacional, se o resultado do referendo assim o impuser» ( ob. cit., p. 109). Deste modo, sob o ponto de vista do momento para desencadear o referendo, a Resolução da Assem- bleia da República n.º 6-A/2014 não padece de inconstitucionalidade e ilegalidade. 11. Outro requisito relacionado com o objeto do referendo, consagrado no n.º 3 do artigo 115.º da CRP, é a exigência de que a matéria a referendar seja de «relevante interesse nacional». A indeterminabilidade do conceito constitucional «questões de relevante interesse nacional» coloca alguns limites ao poder de fiscalização do Tribunal Constitucional. Com efeito, «saber o que é questão de relevante interesse nacional é qualificação que há de ficar na livre apreciação das entidades proponentes e do PR, embora no limite hajam de ser considerados ilegítimos os referendos sobre questões de lana caprina, que além do mais degradariam a relevância e a seriedade democrática do referendo» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., Vol. II, p. 103). Não obstante, não sendo questões manifestamente irrelevantes, mesquinhas e de “lana caprina”, sempre se dirá que a matéria da coadoção e da adoção conjunta por casais do mesmo sexo é um assunto de relevante interesse nacional. Trata-se de eliminar restrições à capacidade para adotar sobre as quais existem profundas divergências, não só na opinião pública nacional e internacional como na comunidade científica, quanto às eventuais consequências resultantes da adoção de uma criança por casais do mesmo sexo. A afirmação da relevância dessa matéria resulta, desde logo, de constituir reserva relativa de competência da Assembleia da República, como acima se referiu, mas também do debate político e jurídico que se tem desenvolvido sobre ela. Para além do procedimento legislativo pendente relativamente ao primeiro quesito referendário, sobre a matéria do segundo já foram discutidos na Assembleia da República cinco projetos de lei. Na exposição de motivos desses projetos dá-se conta da tendência da legislação de alguns países sobre essa questão e da posição da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), pretendendo-se com isso justificar o interesse nacional da matéria objeto do referendo. Não se trata, pois, de uma questão meramente teórica ou hipotética, mas de um assunto atual, concreto, que está na ordem do dia política e que interessa à comunidade nacional.
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