TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
277 acórdão n.º 43/14 em todos os quatro anos não ultrapassa 80% do valor dos bens imóveis adquiridos, comportando então incidência objetiva que permaneceaquém do que aconteceria caso o sujeito passivo tivesse declarado todo o rendimento correspondente ao capital aplicado na mesma. Não colhe, por outro lado, a consideração de que a efetivação de “despesas” com a aquisição de um imóvel pelo sujeito passivo conduz à conclusão lógica de que, se tal não acontece nos anos posteriores, foi porque não auferiu rendimentos para tal. O que passa por afirmar que só aufere rendimento (padrão) num determinado ano quem o aplica em incremento de património imobiliário e não também quem se limita a acumular proventos ou opta por aplicações de outra índole, por exemplo financeira. Ora, esse raciocínio encontra o obstáculo de que a experiência comum aponta para que a capacidade aquisitiva de bens de consumo duradouro – categoria em que inequivocamente se inscreve a compra de bens imóveis na ordem de grandeza verificada –, só excecionalmente se atinge com os rendimentos auferidos no próprio ano do ingresso patrimonial, representando em regra esforço de poupança distribuído por período muito superior. Daí que a aferição pelo legislador do valor do rendimento padrão, em que assenta a presun- ção de rendimento tributável em apreço, tenha necessariamente em consideração realidade temporalmente alargada, tomando a aquisição patrimonial, pelo seu montante e tipologia, como indicador de fluxo de ren- dimentos – e de capacidade contributiva – continuado, que não se cinge ao espaço de um ano. A sua fixação encontra na sua base índices concretos e positivos reveladores de riqueza, em função da ponderação pelo legislador de regras de experiência e padrões de comportamento socialmente sedimentados, bem como da recolha de dados estatísticos, de acordo com os quais existe probabilidade significativa de que quem realiza investimento em bens imóveis de valor igual ou superior a € 250 000 beneficiou de lastro de rendimentos anuais compatível, sem o que o ato aquisitivo não seria económica e financeiramente viável. O que não significa, porém, que tal relação probabilística fique infirmada com no momento da aqui- sição, pois a simples ausência de novas manifestações de fortuna não consente a ilação de que o nível de rendimentos sofreu uma quebra, ou até que o sujeito passivo tenha exaurido a sua capacidade financeira, podendo corresponder apenas a decisão negativa de investimento, ou à satisfação da utilidade procurada com o ingresso patrimonial imobiliário. Nada obsta, então, a partir dos mesmos dados e do mesmo padrão quanto à presumível e subjacente obtenção de um rendimento de 20% do montante aplicado na aquisição de bens imóveis, o legislador confira idêntico grau de probabilidade à constância desse nível de rendimentos nos três anos seguintes, justificando que, também então, tal montante sirva de base de aferição e de medida da verificação de desconformidade com o valor dos rendimentos declarados pelo sujeito passivo. E que, quando não justificada tal desconformidade em fase contraditória, em qualquer desses três anos seguintes, opere a fixação da matéria coletável do imposto através de presunção de rendimento, sem que daí decorra qualquer “transposição para anos posteriores de rendimentos obtidos em anos anteriores”. Em todo o caso, contando o sujeito passivo com a efetiva possibilidade de elidir a presunção, em toda a sua amplitude temporal e efeito cumulado, justificando em fase contraditória, sem exigências probatórias de difícil realização, as fontes financeiras que lhe permitiram lançar-se na aquisição dos bens imóveis e, ao mesmo tempo, declarar sucessivamente em sede de IRS rendimentos fortemente inferiores ao rendimento padrão (recorde-se que, na redação aplicável nos presentes autos, o desvio carece de ser superior a 50% para desencadear o recurso a métodos indiretos de determinação do rendimento tributável, ou seja, no caso em apreço, superior a € 25 900), a margem de incerteza, conatural a todos os instrumentos de fixação presuntiva de rendimento, mostra-se substancialmente reduzida, incluindo no seu prolongamento e aplicação nos três anos subsequentes ao do facto manifestador de riqueza. Não se encontra, assim, nesse sentido normativo, solução de fixação de rendimento presumido ilógica, desrazoável ou incompatível com o pressuposto económico erigido como objeto do imposto, sendo certo que a capacidade contributiva encontra expressão, para além do rendimento, também na utilização dos bens e no património acumulado.
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