TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
275 acórdão n.º 43/14 «3. – A violação do princípio constitucional da igualdade subentende uma concreta e efectiva situação de diferenciação injustificada ou discriminatória, sendo certo que, a este propósito, a jurisprudência constitucional tem insistentemente sublinhado não proibir aquele princípio que se criem distinções, desde que estas não sejam arbitrárias ou desprovidas de fundamento material bastante. A fixação da matéria colectável constitui, por sua vez, um momento central de determinação do montante dos impostos, repercutindo-se no seu apuramento e, consequentemente, na vertente garantística dos cidadãos enquanto contribuintes. No desempenho desta tarefa, o legislador, em nome de razões de eficiência da Administra- ção Fiscal e do combate à evasão e à fraude neste domínio, apela a presunções, como técnica de melhor surpreender a realidade fáctica decorrente das diversas situações da vida, avalizadas por critérios de normalidade, socorrendo-se, desse modo, “de factos conhecidos para afirmar outros que desconhece”, e assim ultrapassar as dificuldades pro- batórias que a determinação da matéria colectável inevitavelmente levanta (cfr. Jorge Bacelar Gouveia, “A Evasão Fiscal na Determinação e Integração da Lei Fiscal”, in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 373 [1994], p. 28).» No entanto, esse processo técnico há-de compaginar-se com o respeito pelo princípio da igualdade, por seu turno a congraçar-se com o princípio geral da imposição segundo a capacidade contributiva de cada um, o que não é já de admitir quando – voltando ao caso sub judice – se aceite que, nos valores do acervo hereditário, uma quota de bens de determinada natureza aí esteja representada, absoluta e inilidivelmente. Ou seja, já não é de admitir, em nome daqueles princípios, uma tal mecânica apoiada em semelhante desrazoa- bilidade, alheia às decorrências da capacidade contributiva dos contribuintes, nos parâmetros constitucionais da igualdade e, em última análise, da “repartição justa de rendimentos e riqueza”, a que alude o n.º 1 do artigo 103.º da Constituição – entenda-se esse expediente técnico como ficção da existência de bens de uma dada natureza, ou uma presunção radicada em juízos de “normalidade” de certas situações de vida, uma incidindo mais signifi- cativamente no âmbito da formulação, outra mais ligada à prova (cfr. Francisco Rodrigues Pardal, “O Uso das Presunções no Direito Tributário”, in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 325/327 [1986], p. 20).» 10. Retomando o caso em apreço, a sentença recorrida não funda a infração do princípio da capacidade contributiva na fixação da matéria coletável através do recurso a métodos presuntivos. Considera, porém, que a liquidação adicional do montante fixado como rendimento padrão no período dos três anos posterio- res ao do facto revelador de fortuna não obedece à indispensável logicidade, o que a coloca, nessa dimensão temporal, em infração com a Constituição, no plano das exigências de igualdade fiscal. A síntese conclusiva do entendimento que determinou a recusa de aplicação da normação em questão encontra-se no segmento em que se afirma: “[n]a verdade, como bem dizem os recorrentes, se o contribuinte se lança a despesas com a aquisição de um imóvel num determinado ano assim evidenciando fortuna, a conclusão lógica que se impõe é que, se nos anos posteriores não assumiu despesas semelhantes é porque não auferiu rendimentos para tal”. Porém, tal conclusão não se mostra consentânea com a teleologia do instituto, além de que não denota evidência da verificação de entorse lógico (probabilístico), de acordo com as regras de experiência, na con- sideração de um rendimento padrão quando o sujeito passivo de IRS não veja o seu património aumentado pela aquisição de outros bens imóveis de valor igual ou superior a € 250 000. 11. Importa começar por referir que o alargamento do horizonte de controlo por parte da AT, e da potencial intervenção corretora da matéria coletável, por um período de quatro anos (o ano da verificação da aquisição de imóveis e os três anos posteriores) encontra como racional a eficácia do instituto como instrumento de combate à evasão fiscal, que de outra forma ficaria seriamente comprometida ou mesmo inviabilizada. Como refere Sérgio Ribeiro: “se a relevância da aquisição do bem susceptível de ser considerado mani- festação de fortuna se limitasse ao ano em que foi adquirido, bastaria, ao sujeito passivo que tivesse a intenção de praticar a evasão fiscal, declarar, nesse ano, um rendimento que não estivesse desfasado do rendimento padrão resultante da aplicação da tabela, podendo nos anos seguintes declarar rendimentos ostensivamente baixos, sem que a Administração Fiscal algo pudesse fazer para a isso obstar” ( ob. cit. , p. 306). Paralelamente,
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=