TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
272 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL declarado seja metade ou menos do rendimento padrão resultante daquela tabela. Nos termos do n.º 2 do preceito, o momento de produção do facto qualificado pelo legislador como manifestação de fortuna foi estipulado como correspondendo ao ano a que respeita a fixação da matéria coletável e também aos dois anos anteriores. Compete à administração tributária a demonstração dos pressupostos legais da aplicação da avaliação indireta, ou seja, a verificação da existência de uma determinada manifestação de fortuna com as precisas características indicadas na tabela do mencionado preceito e a desproporção evidenciada entre o rendimento padrão presumido e os rendimentos declarados (ou a falta deles) pelo contribuinte. Verificados tais pressu- postos, cessa a presunção de veracidade e de boa fé das declarações do contribuinte [artigo 75.º, n. os 1 e 2, alínea d) , da LGT], e, invertendo-se o ónus da prova, passa a recair sobre o sujeito passivo, no âmbito do direito de audição previsto no artigo 60.º, n.º 1, alínea d) , da LGT, o ónus de provar que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que é outra – diversa de rendimentos ocultados – a fonte dos meios financeiros aplicados no facto qualificado como manifestação de fortuna (artigo 89.º-A, n.º 3, da LGT). Note-se que, na redação original do preceito, o legislador indicava, de forma não taxativa, como factos justi- ficativos da desconformidade evidenciada, a perceção de herança ou doação, a obtenção de rendimentos não sujeitos a obrigação declarativa, a utilização de capital acumulado ou o recurso ao crédito. Se o sujeito passivo não lograr essa comprovação, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G – incrementos patrimoniais –, o rendimento padrão, apurado pela aplicação do rácio fixado na tabela do n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT – no caso da aquisição de imóveis, 20% do valor de aquisição –, a não ser que se verifiquem “indícios fundados”, que permitam à administração tributária a fixação de um valor superior, por aplicação dos critérios previstos no artigo 90.º da LGT. O rendimento padrão constante da tabela do n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT assume, nestes termos, uma dupla finalidade: num primeiro momento, fornece a medida do cálculo da desproporção, servindo para veri- ficar se ocorrem os pressupostos legais para o recurso a métodos indiretos de determinação do rendimento tributável fundada em manifestações de riqueza; num segundo momento, ultrapassada a fase contraditória, opera a fixação da matéria coletável do imposto, assumindo, nessa dimensão, a natureza de norma de inci- dência objetiva de IRS (cfr. Xavier de Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, 2007, pp. 368 e 369). Temos, assim, que com a referida normação, o legislador consagrou sistema de fixação presuntiva de rendimentos, com vista à sua tributação e consequente redução da margem de evasão fiscal: perante aquisi- ções onerosas de bens ou consumos e na falta de declaração de rendimentos ou na sua desproporção face ao rendimento declarado (facto base de presunção), a lei presume um determinado rendimento não declarado ou oculto, tido por necessário à expressão da riqueza que revelam as manifestações de fortuna (facto presu- mido), em ordem à sua tributação (João Sérgio Ribeiro, Tributação Presuntiva do Rendimento – Um contri- buto para Reequacionar os Métodos Indirectos de Determinação da Matéria Colectável, 2010, pp. 278 a 282). Trata-se inequivocamente de uma presunção iuris tantum, admitindo a lei, no n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT, que o sujeito passivo faça “a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna”, o que, aliás, enquanto norma de incidência tributária, sempre resultaria do disposto no artigo 73.º da LGT. 9. O Tribunal Constitucional pronunciou-se diversas vezes sobre a conformidade constitucional do recurso a presunções como forma de determinação da matéria coletável, face ao princípio da capacidade contributiva, enquanto dimensão concretizadora do princípio da igualdade no domínio fiscal ou tributário, concluindo pela solvabilidade constitucional de tal normação, desde que o sujeito passivo disponha de efe- tiva possibilidade de ilidir a presunção (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os 26/92, 348/97, 84/03, 211/03 e 452/03, acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) . Destaca-se, a este propósito, o que se diz no Acórdão n.º 84/03:
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