TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

27 acórdão n.º 176/14 de um procedimento legislativo que aprovou, na generalidade, a matéria dela constante, e quanto à segunda, diz respeito a matéria constante de projetos de lei que anteriormente foram rejeitados pelo parlamento. O n.º 4 do artigo 167.º da CRP determina que os projetos e as propostas de lei que forem definitiva- mente rejeitados não podem ser renovados na «mesma sessão legislativa». Os Projetos de Lei acima referidos, apresentados pelo BE e PEV – n.º 126/XII, n.º 178/XII, n.º 392/XII e n.º 412/XII –, apesar da identidade do sentido prescritivo das normas rejeitadas com o conteúdo dos quesitos referendários, foram rejeitados na primeira e segunda sessões legislativas, pelo que, no caso de resposta afirmativa às perguntas do referendo, há mediação temporal suficiente para que na terceira sessão legislativa se possa criar um ato legislativo de sentido correspondente àquela resposta. No que se refere à primeira pergunta – «concorda que o cônjuge ou unido de facto do mesmo sexo possa adotar o filho do seu cônjuge ou unido de facto» – existe em curso um procedimento legislativo que resultou na aprovação na generalidade do Projeto de Lei n.º 278/XII sobre a coadoção por pessoas do mesmo sexo. Neste caso, a questão que se coloca consiste em saber se é legítimo referendar uma matéria que já foi aprovada na generalidade pelo parlamento. A Constituição não dá uma resposta segura a essa questão, limitando-se a referir que o referendo só pode ter como objeto «questões» que «devam ser decididas» através da aprovação de ato legislativo. Destes enunciados linguísticos apenas se infere que o objeto do referendo versa sobre questões, e não propostas ou projetos de lei já existentes, e ainda sobre questões que ainda não foram decididas, afastando a possibilidade de referendos derrogatórios ou revogatórios de atos legislativos já em vigor. O n.º 1 do artigo 4.º da LORR, relativo ao referendo dos “atos em processo de apreciação”, estabelece que as questões suscitadas «por atos legislativos em processo de apreciação, mas ainda não definitivamente aprovados, podem constituir objeto de referendo». A expressão definitivamente aponta para a possibilidade da iniciativa do referendo ter lugar após a aprovação da generalidade da proposta ou projeto de lei, uma vez que só com a votação global final – n.º 2 do artigo 168.º da CRP – termina a fase constitutiva do procedi- mento legislativo, aquela em que se determina o conteúdo do ato legislativo. Como refere Gomes Canotilho, «a votação final global concentra-se no texto apurado na especialidade, fazendo um juízo definitivo e final sobre o projeto ou proposta de lei submetidos a discussão e votação» (cfr. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 5.ª edição, p. 868). E assim é, porque as votações na generalidade e na especialidade obedecem a uma lógica diferente, incidindo a primeira sobre a oportunidade de se fazer ou não uma lei sobre determinada matéria e sobre a fixação do seu sentido geral, e a segunda sobre as soluções concretas a aprovar no texto de cada artigo. Confrontada com esta questão, a jurisprudência do Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 288/98, considerou que não constitui óbice à sujeição a referendo a circunstância da questão a referendar ter sido suscitada por ato legislativo em processo de apreciação, mesmo quando o projeto de lei já foi aprovado na generalidade. O aparente conflito entre a legitimidade representativa e a democracia participativa resultante de uma resposta negativa à pergunta referendária já aprovada na generalidade, com a consequente desautori- zação do parlamento, não existe porque «a Constituição não perfila a aprovação, em votação na generalidade, como manifestação de uma vontade definitiva da Assembleia da República, pelo que não será anómalo que um texto legislativo aprovado na generalidade não venha a merecer aprovação em votação final global, sendo mesmo que essa possibilidade resulta facilitada pela especificação constitucional de que, para as leis orgânicas se exige a aprovação, em votação final global, por maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções, quando essa mesma maioria qualificada já não é requerida nas votações na generalidade e na especialidade. A votação na generalidade, versando «sobre a oportunidade e o sentido global do projeto ou da proposta de lei», no fundo, quando desemboca numa aprovação nessa fase, «apenas abre caminho, para a discussão e votação na especialidade», pelo que «um juízo definitivo» sobre o texto legislativo só se verifica com a votação final global (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição… , nota IV ao artigo 171.º, p. 693)».

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