TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

266 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O reconhecimento do princípio da capacidade contributiva como critério destinado a aferir da inadmissibi- lidade constitucional de certa ou certas soluções adoptadas pelo legislador fiscal, tem conduzido também à ideia, expressa por exemplo no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/97, de que a tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará “a existência e a manutenção de uma efectiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico seleccionado para objecto do imposto, exigindo-se, por isso, um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses concretas de imposto previstas na lei com o correspondente objecto do mesmo”. Por outro lado, o Tribunal tem também considerado que o princípio da capacidade contributiva tem de ser compatibilizado com outros princípios com dignidade constitucional, como o princípio do Estado Social, a liber- dade de conformação do legislador, e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do facto tributário, indispensáveis também para o cumprimento das finalidades do sistema fiscal (o citado Acórdão n.º 142/04). OTribunal Constitucional tem vindo, portanto, a afastar-se de um controlo meramente negativo da igualdade tributária, passando a adoptar o princípio da capacidade contributiva como critério adequado à repartição dos impostos; mas não deixa de aceitar a proibição do arbítrio como um elemento adjuvante na verificação da validade constitucional das soluções normativas de âmbito fiscal, mormente quando estas sejam ditadas por considerações de política legislativa relacionada com a racionalização do sistema. Em suma, o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem excepção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional [cfr. Rogério Fernandes Ferreira/Sérgio Vasques, ob. cit. , p. 974 (...) – vide Acórdão n.º 306/10]. Do que se deixa transcrito, retira o Tribunal, além do mais, que, não obstante, o princípio da capacidade con- tributiva se encontrar plasmado apenas na Lei Geral Tributária, a verdade é que o mesmo decorre dos princípios constitucionais da generalidade, igualdade e justiça, daí, provindo a sua prevalência face às normas legais que o violem. Desta feita, exposto este enquadramento legal, doutrinário e jurisprudencial, revela-se, desde já, ser entendi- mento deste Tribunal que a aplicação do artigo 89.º-A n.º 2 alínea a) conjugado com n.º 4 do mesmo preceito, quando interpretado no sentido de que a manifestação de fortuna evidenciada num ano permite a aplicação do rendimento padrão apurado aos três anos posteriores, é violadora do principio da capacidade contributiva. Não ignora o Tribunal, é certo, que o artigo 89.º-A n.º 4 da LGT foi alterado no sentido de, expressamente, permitir a correcção do rendimento nos três anos posteriores à manifestação de fortuna evidenciada. No entanto, ainda assim e, à luz do princípio da capacidade contributiva, como bem sustentam os recorrentes em argumen- tação que o Tribunal acolhe inteiramente, tal redacção tem-se por violadora em primeira linha do princípio da capacidade contributiva plasmado no artigo 4.º da LGT, mas primacialmente, por violadora daquele mesmo princípio, enquanto princípio constitucional que, directamente, dimana dos princípios da generalidade, igualdade e da justiça. Com efeito, como bem alegam os recorrentes não é pelo facto de terem evidenciado uma manifestação de fortuna no ano de 2007 – pela qual foi devidamente corrigido o seu rendimento e foram devidamente tributados –, que se pode presumir que nos três anos posteriores tenham obtido o mesmo tipo/ montante de rendimentos. Ora, se o mecanismo das manifestações de fortuna assenta na circunstância de a partir de um facto conhecido – a fortuna manifestada – se deduzir um outro desconhecido – o rendimento –, neste caso, com o entendimento propugnado pelo legislador e aqui pelo Recorrido, estar-se-ia a retirar consequências múltiplas de um só facto. Ou seja, de um facto aquisitivo ocorrido num único ano – na situação em apreço a aquisição de bens imóveis no valor global de 259 000 € , no ano de 2007 –, vem o Recorrido retirar o rendimento padrão não só para o ano da aquisição, como também para os três anos seguintes, quando, saliente-se, nesses três anos posteriores não existiu qualquer manifestação de fortuna.

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