TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

26 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Por outro lado, não há qualquer indicação por parte da Assembleia da República que a proposta de reso- lução de referendo envolva, no ano económico em curso, aumento de despesas ou diminuição de receitas do Estado previstas no Orçamento; e também estão respeitadas as exigências temporais previstas na lei (artigos 8.º e 11.º da LORR). 9. Passando a considerar a competência do órgão que aprovou a proposta referendária, dúvidas não podem existir que os deputados que tomaram a iniciativa e a Assembleia da República que a aprovou são entidades competentes na matéria. Com efeito, nos termos do n.º 1 do artigo 115.º da CRP, o referendo é uma decisão do Presidente da República, mediante proposta da Assembleia da República, «em matérias das respetivas competências». Ora, no caso vertente, as questões sobre as quais versa o referendo são matérias da reserva relativa da Assembleia da República, quer por respeitarem à «capacidade das pessoas», quer por se incluírem no âmbito dos «direitos, liberdades e garantias» [cfr. alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP]. A matéria sobre a possibilidade de coadoção pelo cônjuge ou unido de facto do mesmo sexo e sobre a possibilidade de adoção por casais do mesmo sexo, casados ou unidos de facto, respeita à capacidade para adotar e também pode ter a ver com o direito fundamental a constituir família. A legislação que vier a ser criada na eventualidade de resposta ou respostas afirmativas às perguntas referendárias insere-se nos requisitos concernentes à capacidade de adotar. Os diversos requisitos que o can- didato terá atualmente de preencher para ver constituída uma relação adotiva entre si e o menor adotando estão prescritos no artigo 1979.º do Código Civil, que tem como epígrafe “quem pode adotar plenamente”. Mas o segmento normativo «duas pessoas casadas» tem que ser interpretado em conjugação com as nor- mas do artigo 3.º da Lei n.º 9/2010, de 31 de maio, que veio permitir o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo e do artigo 7.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, que regula as relações jurídicas das pessoas que, independentemente do sexo, vivam em união de facto, normas que não reconhecem capacidade para a adoção conjunta aos casais do mesmo sexo, bem como igualmente, não permitem que nessas uniões um companheiro ou cônjuge adote os filhos do outro. As respostas afirmativas ou negativas, caso tenham eficácia vinculativa, alteram ou mantêm a limitação à capacidade para adotar, de forma conjunta e (ou) sucessiva, conforme for o caso. Portanto, a questão sobre a qual os cidadãos terão que se pronunciar é uma matéria relativa à limitação da capacidade jurídica das pessoas singulares para serem sujeitos de uma relação jurídica adotiva. Mas também pode ter a ver com o direito fundamental a constituir família e com a “garantia institu- cional” da adoção, consagrados nos n. os 1 e 7 do artigo 36.º da CRP. A adoção não só pode ser uma forma de constituir família (cfr. artigo 1576.º do Código Civil), como é um instrumento fundamental de proteção das crianças abandonadas, discriminadas, oprimidas ou abusadas (cfr. artigo 69.º, n.º 1, da CRP). Apesar da adoção constituir um “vínculo semelhante ao da filiação”, pode questionar-se também se não estará abrangida no âmbito de proteção do n.º 1 do artigo 36.º da CRP. E sendo fonte de uma relação familiar, «a garantia institucional da adoção, consagrada no artigo 36.º, n.º 7, constitui apenas uma das várias dimensões do estatuto jusfundamental da família adotiva», defende alguma doutrina que «do artigo 36.º, n.º 1, resulta também – embora, obviamente, sem caráter absoluto e incondicional, – uma pretensão constitucionalmente tutelada à constituição de uma relação jurídica de adoção» (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, Tomo I, 2.ª edição, pp. 814 e 840). Atualmente, uma das características essenciais da adoção conjunta é que ela só é permitida a casais ou unidos de facto de sexo diferente. Todavia, com a possibilidade de respostas afirmativas aos quesitos referen- dários, ou a um deles, pode alterar-se tal pressuposto, dada a possibilidade de consagração legal da homopa- rentalidade que daí pode resultar. 10. A oportunidade para desencadear o referendo também é um pressuposto de constitucionalidade e de legalidade, na medida em que a proposta referendária, no que se refere à primeira pergunta, surge no decurso

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