TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
258 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 20. No que tange à violação do princípio constante do n.º 2 do artigo 104.º da Constituição, expressão qualificada para a tributação das empresas do principio da capacidade contributiva, a sua compreensão não dispensa a ponderação do advérbio que modula o seu alcance: “a tributação das empresas incide fundamen- talmente sobre o seu rendimento real” (itálico aditado). A este propósito, diz-se no Acórdão n.º 162/04 (reafirmado no Acórdão n.º 85/10, em quadro normativo aproximado ao dos presentes autos, relativo à indedutibilidade das menos-valias realizadas por SGPS): « [...] o rendimento real fiscalmente relevante não é, em si próprio, uma realidade de valor fisicamente apreen- sível, mas antes um conceito normativamente modelado e contabilisticamente mensurável, [...]. Por outro lado, a injunção constitucional da tributação segundo o rendimento real não pode deixar de atender, necessariamente, aos princípios da praticabilidade e de operacionalidade do sistema, pelo que não pode deixar de se lhes reconhecer natureza constitucional, sob pena dos arquétipos legalmente construídos não conseguirem realizar, com a aproximação possível, o princípio da universalidade e da igualdade no pagamento dos impostos. Um sistema inexequível ou um sistema que não permita o controlo dos rendimentos e da evasão fiscal, na medida aproximada à realidade existente, conduz em linha reta à distorção, na prática, do princípio da capacidade contributiva e da tributação segundo o rendimento real. São estas as dificuldades que explicam que a Constituição se tenha limitado a prever que a imposição fiscal deve incidir fundamentalmente sobre o rendimento real, não «excluindo com tal disposição o recurso a outras formas fiscais estranhas ao mito do apuramento declarativo-contabilístico do rendimento real» − José Guilherme Xavier de Basto (“O princípio da tributação do rendimento real e a Lei Geral Tributária”, in Fiscalidade, n.º 5) (cfr. também, João Pedro Alves Ventura Silva Rodrigues, “Algumas reflexões em torno da efetiva concretização do princípio da capacidade contributiva”, in Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa , 2003, pp. 906 sess.). No dizer de Casalta Nabais, «a CRP, ao exigir que a tributação das empresas se norteie pelo rendimento real, está apenas a “recortar” o quadro típico ou caracterizador do sistema fiscal (...) e não [a] “estabelecer” ou “desenhar a cheio” esse mesmo quadro» (cfr. “Alguns aspetos do quadro constitucional das empresas”, in Fisco , n. os 103/104, p. 19).» Como afirma Casalta Nabais, “o artigo 104.º, n.º 2, da Constituição, não obsta ao estabelecimento de regimes que se afastem da regra da tributação pelo rendimento real. E se afastem, no limite, até ao ponto de a tributação assentar num rendimento normal, conquanto que tal afastamento do regime regra se apresente plenamente justificado e constitucionalmente conformado” ( Fisco, cit., pp. 24; vide, igualmente, Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, pp. 177-178). Daí que “em última instancia, o rendimento efetivamente sujeito a tributação, mesmo quando apurado através de contabilidade bem organizada, é sempre um dado construído segundo escolhas do legislador, o qual pondera em que medida se deve ou não afastar dos registos contabi- lísticos da realidade económica subjacente” (António Carlos Santos, Da questão fiscal à reforma da reforma fiscal, 1998, pp. 129). Nesta medida, a Constituição não torna imperioso que a tributação do rendimento das empresas acom- panhe, sempre, no momento e de acordo com contabilização dos fluxos financeiros positivos e negativos, os ganhos, custos e perdas realizados ou incorridos em cada período de tributação. Sendo o rendimento real conceito normativamente modelado, não viola o princípio constante do n.º 2 do artigo 104.º da Constitui- ção o regime fiscal que, em prol da neutralidade fiscal – não sendo tributado o ganho, o custo que lhe esteja associado também não o deve ser –, estabeleça a indedutibilidade de um custo em função da suscetibilidade da realização de mais-valias isentas de tributação, cuja realização futura se considere provável ou expectável. 21. Por outro lado, também não ocorre, com a indedutibilidade de um custo, ou a sua dedução apenas parcial, a violação do princípio da capacidade contributiva (artigo 103.º, n.º 2, da Constituição), enquanto
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