TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

255 acórdão n.º 42/14 não prescinde de ponderações: saber se a norma é ou não inconstitucional (por violação da proteção da confiança) obriga a que se tenha em conta, e se pondere, tanto o contexto da administração tributária quanto o contexto do particular tributado. 8.2. No Acórdão n.º 287/90, de 30 de outubro, o Tribunal estabeleceu já os limites do princípio da proteção da confiança na ponderação da eventual inconstitucionalidade de normas dotadas de «retroatividade inautêntica, retrospetiva». Neste caso, à semelhança do que sucede agora, tratava-se da aplicação de uma lei nova a factos novos havendo, todavia, um contexto anterior à ocorrência do facto que criava, eventualmente, expectativas jurídicas. Foi neste aresto ainda que o Tribunal procedeu à distinção entre o tratamento que deveria ser dado aos casos de «retroatividade autêntica» e o tratamento a conferir aos casos de «retroatividade inautêntica» que seriam, disse-se, tutelados apenas à luz do princípio da confiança enquanto decorrência do princípio do Estado de direito consa- grado no artigo 2.º da Constituição. De acordo com esta jurisprudência sobre o princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança, para que esta última seja tutelada é necessário que se reúnam dois pressupostos essenciais:  a) a afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente prote- gidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição). Os dois critérios enunciados (e que são igualmente expressos noutra jurisprudência do Tribunal) são, no fundo, reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou “testes”. Para que para haja lugar à tutela jurídico-cons- titucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa. Este princípio postula, pois, uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na estabili- dade da ordem jurídica e na constância da atuação do Estado. Todavia, a confiança, aqui, não é uma confiança qualquer: se ela não reunir os quatro requisitos que acima ficaram formulados a Constituição não lhe atribui proteção. Por isso, disse-se ainda no Acórdão n.º 287/90 – e importa ter este dito presente no caso – que, em princípio, e tendo em conta a autorevisibilidade das leis, “não há (…) um direito à não-frustração de expectativas jurídicas ou a manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados”. (…)» 18. A recorrente sustenta que a normação constante do artigo 38.º, n.º 5, da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, ao não ressalvar do novo regime fiscal os compromissos financeiros e inerentes encargos contra- tados anteriormente à data da sua entrada em vigor, lesou a confiança assente em “fundadas e legítimas razões para contar com a dedutibilidade de encargos financeiros incorridos no âmbito de financiamentos obtidos que suportam a aquisição de participações sociais ocorrida” antes da nova regra fiscal. Porém, esta posição não merece acolhimento, inverificados que estão os apontados requisitos da prote- ção da confiança legítima. Em primeira linha, não se encontra razão para sustentar que o Estado, através da Administração Fiscal, tenha permitido a criação de expetativa de manutenção do regime de concorrência para a fixação do lucro

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