TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

254 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Mas, de igual jeito, tais encargos não se afastam dos princípios gerais que regem a imputação de custos dedutíveis, mormente o princípio da especialização de exercícios (artigo 18.º do CIRC) e o princípio da homogeneidade entre custos dedutíveis e os rendimentos ou proventos sujeitos a imposto a que estejam ligados, de forma a que não seja atribuído um tratamento à causa (custo) e outro ao efeito (rendimento ou proveito), mormente no plano do âmbito de aplicação temporal do regime pertinente (assim, António Moura Portugal, ob. cit. , pp. 117-123). A esta luz, verifica-se que o binómio encargo financeiro não dedutível/realização de mais-valia isenta forma-se inteiramente no domínio da Lei Nova, que nenhum efeito retroativo comporta relativamente aos encargos financeiros incorridos e a mais-valias realizadas em exercícios anteriores a 2003. No seu específico campo de regulação, a normação em apreço rege inteiramente para o futuro – mais ou menos-valias realiza- das após a sua entrada em vigor e bem assim encargos financeiros suportados igualmente após 1/1/2003 – sem qualquer grau de afetação dos efeitos jurídico-fiscais produzidos em momento anterior ao da sua entrada em vigor. Falece, pelo exposto, a crítica de violação da regra que proíbe a retroatividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição. 17. Esta conclusão não dispensa a apreciação da medida legislativa, e da mudança de regime relevante para a definição do comportamento dos agentes económicos a que se dirige, face ao princípio da tutela da confiança legítima, decorrente do princípio do Estado de direito democrático constante do artigo 2.º da Constituição. Esse princípio postula “uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e segurança jurídica nos direitos das pessoas e nas suas expectativas juridicamente criadas e, consequentemente, a confiança dos cidadãos e da comunidade na tutela jurídica (Acórdão n.º 237/98). O que, porém, não posterga a liberdade de conforma- ção do legislador democraticamente legitimado e o princípio da autoreversibilidade das leis. «(…) Dentre as múltiplas ocasiões em que este Tribunal se debruçou sobre este fundamento de inconstitucionali- dade em matéria tributária, destaca-se o que se afirmou no Acórdão n.º 128/09: «(...) O tema da proteção da confiança tem sido abundantemente tratado pelo Tribunal Constitucional. Con- tudo – e em matéria tributária – a jurisprudência do Tribunal sobre o que queira dizer «a necessária proteção da confiança legítima» não pode deixar de ser olhada com cautela, consoante a sua produção tenha ocorrido antes ou depois da revisão Constitucional de 1997. Na verdade – e como o tem dito a doutrina –, com a formula- ção atual do n.º 3 do artigo 103.º da CRP alterou-se o lugar constitucional que o princípio decorrente do artigo 2.º ocupa em matérias de natureza fiscal: a aprovação, em 1997, de um princípio geral de irretroatividade da lei fiscal veio modificar (e não diminuir ou aumentar) a relevância do princípio. Quer isto dizer exatamente o seguinte. A proibição expressa da retroatividade da lei fiscal não tornou inútil a eventual aplicação, a matérias de natu- reza tributária, do parâmetro da proteção da confiança. Como diz Casalta Nabais, (Cfr., Direito Fiscal , 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, p. 149) a proteção da confiança não foi absorvida pelo novo preceito constitucional. Ao tex- tualizar a proibição de normas fiscais retroativas, a Constituição conferiu uma especial corporização ao princípio, corporização essa que se traduz na necessária ausência de ponderações sempre que ocorram casos [de leis tributá- rias] que sejam retroativas em sentido próprio ou autêntico. Nesses casos – nos quais, recorde-se, se não inclui o presente – não há lugar a ponderações: a norma retroativa é, por força do n.º 3 do artigo 103.º, inconstitucional. Mas tal não significa que, por causa disso, se tenha esgotado ou exaurido a «utilidade» do princípio da confiança em matéria tributária. Pode haver outras situações – de retroatividade imprópria, ou até de não retroatividade – que convoquem a questão constitucional que é resolvida pela tutela da confiança. Sucede, porém, que, ao contrário do que sucede com a aplicação do princípio contido no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição, a «mobilização» do princípio da confiança em matéria tributária obriga a um juízo que

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