TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
237 acórdão n.º 42/14 M. Em segundo lugar, não só as participações sociais podem nunca vir a ser alienadas, hipótese mais do que verosímil no contexto das SGPS (às quais se aplica, exclusivamente, a regra fiscal em discussão), caso em que o temporário será, afinal de contas, definitivo, mas também há que contar com vicissitudes várias suscetíveis de afastar definitivamente o encontro (matching) entre malefício agora e benefício (eventualmente no) futuro: (i) a sempre presente possibilidade de revogação da norma em causa, a (ii) caducidade do “benefício”/“malefício” que consagra (que até à alteração promovida pela Lei n.º 64-B/2011, de 29 de dezembro, tinha caráter tempo- rário, nada garantindo que se não volte a essa solução já amanhã), a (iii) transformação da recorrente noutro “tipo” societário ou a sua (iv) fusão com outras sociedades. N. Acresce que as variações da taxa de IRC criam um desfasamento definitivo (permanente) entre o efeito presente do afastamento da dedução dos encargos financeiros, e o efeito futuro da tentativa (não conseguida em razão da entretanto ocorrida alteração da taxa de IRC, por exemplo) de reposição da situação, indicada na Circular da DSIRC como remédio. O. E mesmo que inexistissem (o que não é o caso) todas as hipóteses acima referidas, ainda assim não seria possível afirmar-se que o efeito desta restrição é temporário, por causa do fator que dá pelo nome de valor temporal do dinheiro. P. Com efeito, ao impedir-se à partida a dedução fiscal de encargos financeiros (encargos reais e relativos à sua atividade) por parte das SGPS, dissociando-se temporalmente este efeito negativo do futuro e eventual efeito positivo que supostamente justificaria tal restrição ao princípio do apuramento do rendimento real, impõe-se- -lhes necessariamente uma tributação acrescida quer no presente, quer em termos definitivos (valor temporal do dinheiro), por comparação com as empresas (violação, também, do princípio da igualdade e da neutrali- dade) que, por não serem SGPS, mas que nem por isso estão impedidas de deter igualmente participações sociais/subsidiárias, não estão sujeitas à aplicação do n.º 2 do artigo 31.º do EBF, designadamente na interpre- tação sancionada pela decisão arbitral. Q. A norma constante do então (à data dos factos) artigo 31.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (atual artigo 32.º, n.º 2), que – na interpretação da Circular n.º 7/2004, de 30 de março, da DSIRC – impede que a determinação dos encargos financeiros suportados com aquisição de partes de capital, nela previstos e por ela tornados fiscalmente indedutíveis, seja efetuada com recurso a método de afetação direta e específica, ou real, é inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade, da neutralidade e da capacidade contributiva ou rendimento real, consagrados nos artigos 13.º (e 2.º, enquanto emanação do Estado de direito democrático), 103.º, n.º 1, e 104.º, n.º 2, da CRP, e do princípio da proporcionalidade que encontra expressão qualificada nos artigos 18.º, n. os 2 e 3, da CRP, e é uma emanação do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP). R. Bem podem os encargos financeiros estar exclusivamente relacionados temporal, contratual e causalmente, com a aquisição de um outro ativo, que mesmo assim não serão fiscalmente relevantes em virtude da sua asso- ciação, via fórmula desenhada na referida Circular, com a anterior aquisição de participações sociais. S. O mesmo é dizer que esta fórmula se comporta como uma presunção inilidível de que os encargos financeiros que com recurso a ela se apurem são tidos como suportados com a aquisição de partes de capital cuja alienação tenha beneficiado (ou seja suscetível de vir a beneficiar) de isenção de tributação de mais-valias. T. Esta presunção que não admite contradita, inerente à fórmula em causa, esta ficção que a dita fórmula repre- senta, numa área de determinação da incidência do imposto (cômputo do lucro tributável), viola o princípio constitucional da tributação fundamentalmente do rendimento real (cfr. artigo 104.º, n.º 2, da CRP), e, com ele, da igualdade, da capacidade contributiva e da neutralidade (artigos 2.º – enquanto emanações do Estado de direito democrático – 13.º, 103.º, n.º 1, e 104.º, n.º 2, da CRP). U. E viola estes princípios (sobretudo o da igualdade e o da neutralidade) de uma outra perspetiva ainda: está em causa o igual tratamento de “quem se encontra, e de quem não se encontra” (de situações desiguais, portanto), na ou próximo da, posição que consubstancia o caso base ou pressuposto em que assenta esta (ou qualquer outra) presunção inilidível.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=