TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

232 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL do Código Civil, o que depõe em sentido oposto ao defendido pela recorrente, assente na continuida- de das estipulações nesse domínio. III – Por outro lado, o elemento relevante na espécie não corresponde à amortização de financiamento, mas sim à remuneração do capital mutuado para aquisição de participação sociais, sendo esse – o gasto incorrido – e o seu balanceamento com a suscetibilidade de propiciar ganho, através da realização de mais-valias, e não o acréscimo patrimonial em si mesmo, o cerne da normação editada no artigo 38.º, n.º 5, da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, e do regime de (in)dedutibilidade que passou a constar do artigo 31.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais; acresce que o facto tributário em IRC corresponde à perceção de rendimento, sendo o gasto ou custo atendido na sua função instrumental face ao rendimento-acréscimo sujeito a tributação (não isento). IV – É certo que norma contida no n.º 2 do artigo 31.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, no que se refere aos “encargos financeiros”, constitui norma de incidência, na medida em que contribui para o apura- mento do rendimento tributável da recorrente, versando variação patrimonial negativa que deixa de concorrer para a fixação do lucro tributável, daí decorrendo a sujeição de regra que influa na fixação da matéria coletável, como inegavelmente acontece com a normação alojada no n.º 2 do artigo 31.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, ao princípio da retroatividade da lei fiscal; também não parece oferecer contestação de que os juros que remuneram capitais alheios, mormente por operações de cré- dito, integram o conceito de encargos financeiros, mas, de igual jeito, tais encargos não se afastam dos princípios gerais que regem a imputação de custos dedutíveis, mormente o princípio da especialização de exercícios e o princípio da homogeneidade entre custos dedutíveis e os rendimentos ou proventos sujeitos a imposto a que estejam ligados, de forma a que não seja atribuído um tratamento à causa (custo) e outro ao efeito (rendimento ou proveito), mormente no plano do âmbito de aplicação tem- poral do regime pertinente. V – A esta luz, verifica-se que o binómio encargo financeiro não dedutível/realização de mais-valia isenta forma-se inteiramente no domínio da Lei Nova, que nenhum efeito retroativo comporta relativa- mente aos encargos financeiros incorridos e a mais-valias realizadas em exercícios anteriores a 2003; no seu específico campo de regulação, a normação em apreço rege inteiramente para o futuro – mais ou menos-valias realizadas após a sua entrada em vigor e bem assim encargos financeiros suportados igualmente após 1 de Janeiro de 2003 – sem qualquer grau de afetação dos efeitos jurídico-fiscais pro- duzidos em momento anterior ao da sua entrada em vigor, pelo que não se verifica violação da regra que proíbe a retroatividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição. VI – Quanto à alegada lesão do princípio da tutela da confiança legítima, decorrente da normação cons- tante do artigo 38.º, n.º 5, da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, ao não ressalvar do novo regime fiscal os compromissos financeiros e inerentes encargos contratados anteriormente à data da sua entrada em vigor, esta posição não merece acolhimento, inverificados que estão os requisitos da proteção da confiança legítima: em primeira linha, não se encontra razão para sustentar que o Estado, através da Administração Fiscal, tenha permitido a criação de expetativa de manutenção do regime de concorrência para a fixação do lucro tributável das SGPS dos factos tributários conexos, correspondentes à realização de mais-valias e à dedução dos encargos financeiros com a aquisição de participações sociais em certas condições (aliás, a evolução legislativa anterior aponta mesmo no sen- tido oposto); em segundo lugar, também não se vê como considerar tal expetativa – a existir – como legítima, porque assente em boas razões, na medida em que assentaria na indiferença pela neutralidade

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