TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

229 acórdão n.º 8/14 Centra, pois, toda a argumentação demonstrativa do reclamado juízo de inconstitucionalidade na vio- lação do princípio constitucional da igualdade consagrado no artigo 13.º da Lei Fundamental, cuja força jurídica vinculante (artigo 17.º da CRP), defende, deve também ser reconhecida aos condenados em pena privativa de liberdade, como é o seu caso (artigo 30.º, n.º 3, da CRP), pelo que é exclusivamente à luz deste parâmetro constitucional que importa apreciar o objeto do recurso. O artigo 75.º do Código Penal enuncia os pressupostos de que depende a punição como reincidente, assumindo-se como nuclear, na caracterização jurídico-penal desse fundamento de agravação da responsa- bilidade criminal, o facto de o agente, desrespeitando a advertência contra o crime contida em condenação anterior (em pena de prisão efetiva superior a 6 meses pela prática de crime doloso), praticar novo crime (igualmente doloso e que também deva ser punido com prisão efetiva superior a 6 meses). Por isso, o que determina a punição agravada é a existência de uma demonstrada conexão material entre o crime desse modo punido e a condenação anterior, apenas se justificando essa punição agravada quando a prática do crime revele ou encerre uma censurável desatenção, desrespeito ou desconsideração pela advertência contida na condenação anterior (culpa agravada), ficando, pois, claro, que esta não logrou realizar os fins de prevenção especial que pretendia atingir. A lei, porém, determina que o crime anterior não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos (artigo 75.º, n.º 2, do CP), o que decorre do reconheci- mento que, decorrido determinado período de tempo após a prática do crime determinante da condenação, não é mais possível aferir, em moldes sustentados, a existência dessa determinante conexão valorativa entre o crime cometido e a condenação anterior em termos que suportem o acrescido juízo de censura que merece a prática de um novo crime após uma condenação penal transitada, assumindo o crime seguinte, neste caso, atenta a relevante mediação temporal que o separa do crime anterior, traços de pluriocasionalidade criminosa insuscetíveis de justificar a agravação da pena nos termos determinados pela reincidência. Nesse prazo de 5 anos não é, contudo, computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativa da liberdade (artigo 75.º, n.º 2, in fine , do CP). Não questiona a recorrente a constitucionalidade da agravação da pena decorrente da reincidência. Considera, contudo, constitucionalmente censurável, por infundado, que se não compute no referido prazo legal o período de tempo em que o agente esteja em cumprimento de pena ou medida privativa da liberdade, pois que tal facto não é, como é sabido, impeditivo da prática de crimes, valorando a lei, aliás, em sede de execução da pena, o bom comportamento de quem, estando em cumprimento de pena de prisão, age em conformidade com «as regras de conduta moral e criminal a que está obrigado», antecipando, por efeito disso, a concessão de liberdade, ainda que condicionalmente. Se assim é, defende a recorrente, afigura-se-lhe carecido de fundamento o tratamento desigual que a lei, por via dessa norma, concede a quem esteja em situação de reclusão, não valorando, também para o efeito de afastar a sua punição como reincidente, a circunstância de o agente, ainda que em cumprimento de pena de prisão efetiva, não ter praticado crimes nesse período de tempo. Contrariamente, e nisso reside a discrimi- nação repudiada pela Constituição, não suspende a contagem do prazo, cujo decurso afasta a punição como reincidente, a quem tenha sido condenado em pena de prisão suspensa na sua execução. Mas não tem razão. O princípio da igualdade, apelando a um conceito de relação, não impõe tratamentos igualitários de situações da vida ou realidades existenciais que, numa perspetiva ontológica, apresentem diferenças nor- mativamente relevantes. A justiça da diferenciação decorre do reconhecimento das específicas necessidades normativas de regulação de cada uma dessas parcelas vivenciais ou termos da relação, impondo-se, ela pró- pria, como condição de realização de uma ideia de igualdade que parte da diferença para substantivamente eliminar fatores de desigualação ou discriminação não consentidos pelo Direito. Ora, o que justifica a punição agravada do crime cometido após uma condenação transitada, e apesar dela, é o desrespeito para com a advertência contida nessa condenação prévia, que se evidencia quando o crime seguinte é cometido num momento (antes de decorridos cinco anos desde a prática do crime anterior)

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