TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
223 acórdão n.º 7/14 sobre tal matéria. Aliás, a decisão que é neste âmbito proferida representa materialmente uma reapreciação judicial das decisões proferidas em primeira instância sobre a questão de competência nela apreciada, em relação à qual tiveram as partes oportunidade processual de se pronunciar, rebatendo ou reforçando as razões invocadas em fundamento das decisões em conflito (artigo 36.º, n.º 1, do CPP). Acresce que os presidentes das secções criminais dos tribunais da relação com competência para decidir o conflito [artigo 12.º, n.º 5, alínea a) , do CPP] intervêm no exercício estrito de funções jurisdicionais (cfr., sobre a competência jurisdicional dos presidentes dos tribunais superiores, Acórdãos n. os 351/07, 525/07 e 593/07), sendo que a alea inerente ao regime de distribuição imperante, podendo o presente incidente ser distribuído a qualquer um dos presidentes das várias secções criminais que poderão integrar o tribunal da relação é, em si mesma, garantia acrescida para a defesa do arguido, não representando a mera eventualidade de decisões diferentes sobre a mesma matéria, apesar de tudo condicionadas pelas particularidades de cada incidente, razão suficiente para censurar constitucionalmente a norma que veda a sua reapreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça, cujas competências materiais de apreciação assentam numa justificada lógica de intervenção excecional baseada em critérios que assentam na natureza e gravidade das decisões recorridas (artigo 432.º do CPP). Finalmente, se é certo que a colegialidade do órgão decisor objetivamente oferece mais garantias ao arguido, inexiste qualquer exigência constitucional de que as decisões em matéria penal sejam proferidas por um tribunal coletivo ou de que, sendo proferidas por um juiz singular, assista ao arguido, apenas em razão disso, o direito de as ver reapreciadas por um tribunal superior. O que releva, para este efeito, não é tanto quem decide sem possibilidade de recurso mas a matéria sobre que recai a decisão (singular) irrecorrível, pois que é em função dela que se afere da suscetibilidade de afetação dos direitos do arguido e, atenta a sua maior ou menor virtualidade ofensiva, da exigência constitucional de que sobre ela recaia o direito de recurso. Ora, é evidente que o direito de recurso, representando um meio de reação contra os próprios atos judi- ciais, constitui sempre uma garantia de defesa acrescida para o arguido, reduzindo o risco de erro judiciário, potenciando uma maior qualidade e uniformidade da decisão e permitindo ao arguido a invocação de novas razões de defesa não antes aduzidas, como invocado pelo recorrente. O que sucede é que, não sendo o direito ao recurso um direito ilimitado e absoluto, como não o é, no contexto de um processo em que confluem dialecticamente valores constitucionais potencialmente conflituantes, nem sempre a realização dos valores tutelados com a sua expressa consagração constitucional deve prevalecer sobre outros que também merecem tutela constitucional, como são todos os bens jurídicos violados pelo crime que, através do processo penal, se quer eficazmente reprimir. O ponto ideal de conciliação deve ser encontrado, no caso, em aplicação dos princípios imperantes em matéria de restrição dos direitos fundamentais (artigo 18.º da CRP), pela ponderação da necessidade, adequação e proporcionalidade da solução que, no contexto do processo penal e das diversas garantias de defesa que ele oferece, veda ao arguido, em relação a determinados atos judiciais, a possibilidade de recurso. E, vista em contexto a norma que prevê a irrecorribilidade da decisão de conflito, que justificadamente se pretende imediata, atenta a natureza prévia e incidental da questão que é dela objeto – sem particular grau de complexidade e com graves efeitos bloqueadores na dinâmica do processado –, nela não se descortina, pelas razões antes aduzidas, quaisquer indicadores de desnecessidade ou excesso que a tornem suscetível de censura constitucional. Finalmente, invocando o recorrente a inconstitucionalidade da norma ora em apreciação também à luz dos parâmetros de validade enunciados nas normas dos artigos 2.º, 13.º, 20.º, n.º 1, da CRP, nada aduz que possa valer autonomamente como razão demonstrativa da alegada violação dos específicos direitos e princí- pios consagrados nesses preceitos constitucionais. Assim sendo, não se descortinando na norma do n.º 2 do artigo 36.º do CPP qualquer afetação do direito de acesso ao direito e aos tribunais – que, aliás, se realiza com a prolação de uma decisão judicial em prazo razoável –, do princípio da igualdade ou dos princípios inerentes ao Estado de direito democrático, impõe-se, também nessa perspetiva valorativa, a formulação de um juízo de não inconstitucionalidade.
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