TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

219 acórdão n.º 7/14 das quais se encontra o direito ao recurso. Donde se conclui que a celeridade não permite manifestamente justificar constitucionalmente a irrecorribi1idade de certas decisões instrutórias. 6. Sendo as decisões sobre a própria competência dos tribunais decisões que se ligam com o princípio do juiz natural (cfr. Conclusão 7) e fundadoras da sua atividade jurisdicional (cfr. Conclusão 10), compreende-se mal que seja conforme com a Constituição um sistema fraco de resolução desse tipo de conflitos, sobretudo em matérias que, por dizerem respeito à definição do estatuto dos arguidos, mais exigiriam um sistema forte 7. Como se escreveu no Acórdão n.º 614/03 desse Venerando Tribunal, o princípio do juiz natural, ou do juiz legal, para além da sua ligação ao princípio da legalidade em matéria penal, encontra ainda o seu fundamento na garantia dos direitos das pessoas perante ajustiça penal e no princípio do Estado de direito no domínio da administração da justiça. É, assim, uma garantia da independência e da imparcialidade dos tribunais (artigo 203.º da Constituição). Designadamente, a exigência de determinabi1idade do tribunal a partir de regras legais (juiz legal, juiz predeterminado por lei, gesetzlicher Richter ) visa evitar a intervenção de terceiros, não legitimados para tal, na administração da justiça, através da escolha individual, ou para um certo caso, do tribunal ou do(s) juízes chamados a dizer o Direito. 8. Onde a questão do conflito de competências seja desencadeada num caso em que os tribunais potencial- mente competentes são vários, como no caso dos autos (A, B, C, D, E e F, por exemplo, pertencendo cada suces- sivo par a um diferente distrito judicial), a delimitação do problema pode até ser determinada pela ordem pela qual forem chamados a intervir (A e B, ou C e D, sendo que a competência deveria de facto caber a F, por exemplo. Neste caso, a resolução do conflito negativo de competência caberia, quer na primeira sequência, quer na segunda, a um presidente de secção de um tribunal de 2.ª instância que pode tender a arbitrar como um conflito limitado – ou é um, ou é outro – o que, na verdade, seria uma forma de dissimular que a real competência pertence a outro tribunal). 9. Pelo menos nos casos em que a investigação dos crimes caiba ao DCIAP por virtude de uma invocada dis- persão geográfica dos factos, a suscitação – deliberada ou fortuita – da intervenção sucessiva de dois tribunais terri- torialmente incompetentes (que, naturalmente, assim se considerarão) permite que a decisão sobre a competência última seja cometida a uma jurisdição escolhida (a um dos presidentes de secção do tribunal de 2.ª instância do mesmo distrito judicial em que os tribunais de 1.ª instância se consideraram incompetentes) e sem relação com a que deveria realmente intervir. Será, assim, inconstitucional, por violação do princípio da igualdade e do princípio das garantias de defesa em processo penal a interpretação de qualquer norma que o permita (como a 1eitura literal do artigo 36.º, n.º 2, do CPP consente). 10. A competência de cada tribunal sobre a determinação da sua própria competência é um princípio básico de funcionamento do sistema jurisdicional, e só os recursos devem interferir com a determinação que cada um faça dessa sua competência (as decisões sobre a competência ou as condições do seu exercício podem estar sujeitas a recurso). 11. Nenhuma similitude é possível estabelecer entre esta questão e as que já foram alvo de decisão por parte do Tribunal Constituciona1, designadamente a do Acórdão n.º 593/07. 12. O próprio Tribunal Constitucional já estabeleceu exceções a uma irrestrita previsão legal (n.º 3 do artigo 72.º da LOTC) e constitucional (n.º 3 do artigo 280.º da CRP), por ter entendido que assim o impunha a parti- cular natureza de algumas decisões (Acórdão n.º 356/09). 13. A jurisprudência constitucional já invocou por diversas vezes (Acórdãos n. os 150/93, 345/99, 533/99, 412/00, 513/00, 157/01 e 279/01) a importância da tutela da aparência de imparcialidade e objetividade no exercício do poder jurisdicional. Essa aparência – pelo menos – é afetada pela inadmissibilidade de recurso no caso de fixação da heterónoma da competência de um tribunal, em sentido oposto à anterior decisão deste, por um de vários possíveis decisores. 14. Sobretudo quando tal decisão tem a ver com a competência para impor medidas de coação a um sujeito processual que se presume – e, até trânsito da decisão condenatória, é – inocente. 15. Sobretudo quando a decisão sobre a (in)competência foi proferida por apenas dois dos vários possíveis tribunais com jurisdição sobre os factos investigados a nível central.

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