TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

214 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Tendo a decisão recorrida efetuado uma interpretação normativa que se enquadra nos cânones da her- menêutica jurídica e que é compatível com o teor verbal da norma, não lhe pode ser imputada a violação do princípio da legalidade fiscal (em sentido idêntico, ainda que com referência ao princípio da legalidade penal, o recente Acórdão n.º 186/13). E o mesmo é possível dizer quanto à norma do n.º 3 do artigo 49.º, na redação primitiva, quando inter- pretada no sentido de protelar a suspensão do prazo de prescrição até à decisão final a proferir na impugnação judicial, em consequência da paragem do processo de execução fiscal. Tendo sido prestada garantia idónea no âmbito do processo de impugnação judicial, fica suspensa a cobrança coerciva através do processo de execução fiscal, pelo que a suspensão do prazo prescricional fica necessariamente associada à impossibilidade de a autoridade tributária satisfazer o seu crédito enquanto não vier a ser produzida, naquele processo, uma decisão definitiva. E, sendo assim, também neste caso, o prolongamento do efeito suspensivo, com base na conjugação dessa disposição com a dos artigos 169.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 52.º, n.º 2, da LGT, corresponde a uma interpretação sistemática da lei que não envolve qualquer violação do princípio da tipicidade. 7. Num segundo momento, a recorrente invoca que a suspensão do prazo de prescrição até ao trânsito em julgado da decisão que recaia sobre a impugnação judicial viola o princípio da proteção da confiança, na medida em que, na prática, determina a inviabilidade de uma obrigação tributária vir a ser declarada prescrita. Como tem já sido afirmado, a garantia de segurança jurídica inerente ao Estado de direito corresponde, numa vertente subjetiva, a uma ideia de proteção da confiança dos particulares relativamente à continuidade da ordem jurídica e trata-se assim de um princípio que exprime a realização imperativa de uma especial exigência de previsibilidade, protegendo sujeitos cujas posições jurídicas sejam objetivamente lesadas por determinados quadros injustificados de instabilidade (Blanco de Morais, “Segurança Jurídica e Justiça Cons- titucional”, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XLI, n.º 2, 2000, p. 625). Nesse sentido, a violação do princípio da proteção da confiança não pode ser imputado ao regime jurídico que em si resulta da nova disposição do artigo 49.º, n.º 4, mas a esse regime na medida em que represente um agravamento da posição jurídica dos contribuintes, em relação ao sistema legal anteriormente vigente, com o qual se não pudesse legitimamente contar. Nesse contexto, o Tribunal Constitucional tem também já considerado que não há «um direito à não- -frustração de expectativas jurídicas ou a manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados», para concluir que o legislador não está impe- dido de alterar o sistema legal afetando relações jurídicas já constituídas e que ainda subsistam no momento em que é emitida a nova regulamentação, por ser essa uma necessária decorrência da autorevisibilidade das leis (Acórdão n.º 287/90). O que se impõe averiguar é, assim, se poderá haver por parte dos sujeitos de direito um investimento de confiança na manutenção de um determinado regime legal e se não poderá haver, em contraposição, um primacial interesse de ordem pública que possa justificar a alteração. Ora, cabe recordar, revertendo ao caso concreto, que o mecanismo de interrupção do prazo de prescri- ção que consta do n.º 1 do artigo 49.º desde a sua versão originária, implicava já a possibilidade de o prazo interrompido pela interposição de algum dos meios processuais aí previstos não se reiniciar antes do trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo, por ser um dos efeitos normais da interrupção (artigo 327.º, n.º 1, do Código Civil). Isso porque a utilização pelo legislador tributário da figura da interrupção da prescrição sem qualquer outra especificação não pode deixar de ser entendida, no quadro de uma interpre- tação sistemática da lei, como correspondendo a uma remissão para as disposições da lei civil que regulam o instituto, mormente no que se refere aos respetivos efeitos (neste sentido, Diogo Leite de Campos/Benjamim Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa, ob. cit. , p. 405).

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