TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

202 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL legislador, no sentido do encurtamento dos prazos de caducidade e prescrição – atenta a modernização da administração tributária. liv. No entendimento do douto Acórdão recorrido, passados 20 anos dos factos (que são de 1993) – ultra- passado que está, portanto, o próprio prazo ordinário de prescrição dos créditos cíveis, previsto no artigo 309.º do Código Civil – a prescrição ainda não decorreu. lv. Aliás, há muito que decorreu o próprio prazo legal de 10 anos, de arquivo dos documentos e registos contabilísticos – o que pode colocar sérios problemas a muitos contribuintes que porventura sejam confrontados com cobranças de tributos num momento em que já não dispõem, nem têm obrigação de dispor, da respetiva documentação de suporte, designadamente dos comprovativos de eventuais paga- mentos que entretanto hajam efetuado. lvi. Poder-se-ia dizer que o artigo 49.º n.º 2 da LGT, na redação em vigor em 2001, na medida em que estipula o reinicio do prazo de prescrição assim que o processo complete um ano de paragem, por motivo não imputável ao contribuinte, atenuaria este adiamento eterno da verificação da prescrição. lvii. Contudo, na prática não é isso que se verifica, de que é caso sintomático o dos autos, já que ficou pro- vado que a impugnação judicial esteve parada por mais de um ano por motivo não imputável ao contri- buinte [cfr. a) e g) dos factos provados], e nem por isso a interpretação que se preconiza deixa de ser a de que a prescrição só se inicia com o trânsito em julgado da decisão proferida sobre a impugnação judicial. lviii. Sendo certo, de todo o modo, que aquele artigo 49.º n.º 2 da LGT, embora admita a suspensão do prazo de prescrição entre a data da apresentação da impugnação e o momento em que se perfizer um ano de paragem da impugnação por motivo inimputável ao contribuinte, não admite, de todo, que o prazo de prescrição fique “em suspenso” durante todo o período de duração do processo de impugnação judicial, ou seja, deste a data da sua apresentação e até à data do trânsito em julgado da decisão que lhe puser termo – o que pode corresponder a décadas, como é o caso. lix. O artigo 49.º n.º 1 da CRP, na interpretação aqui recorrida, está inclusivamente em contravenção com as mais elementares regras de celeridade processual e do direito a uma decisão judicial célere e em tempo útil, em violação do artigo 20.º n.º 4 da CRP. lx. Com efeito, e nessa interpretação legal, a prescrição deixa de constituir fonte de pressão da celeridade processual e da obtenção de uma decisão judicial em tempo útil e razoável, já que a prescrição só se inicia após o trânsito em julgado da decisão judicial a proferir no processo judicial onde se discute a legalidade da liquidação exequenda, independentemente da duração que tiver esse processo judicial. lxi. Ficando o contribuinte, indefinidamente, refém de uma dívida fiscal com várias dezenas de anos – como é o caso dos autos –, com o agravamento financeiro decorrente da morosidade na resolução do litígio, designadamente ao nível do empolamento dos juros de mora e dos encargos com a garantia que foi obrigado a prestar, e mesmo com a diminuição das suas garantias de defesa, atento o injustificável lapso de tempo decorrido. lxii. O artigo 49.º n.º 1 da LGT, na redação acima mencionada, e na interpretação sufragada no douto Acór- dão recorrido, é organicamente inconstitucional, por violação da respetiva lei de autorização legislativa – Lei n.º 41/98, de 4/8. lxiii. Pois faz corresponder a lei, na prática, a um alargamento do prazo de prescrição, senão à impossibilidade desta alguma vez se verificar, seja em que circunstância for (vide supra ), quando aquela lei apontou, outrossim, e ao invés, para um encurtamento desse mesmo prazo. lxiv. Contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, a interpretação do artigo 49.º n.º 1 da LGT preconi- zada no Acórdão recorrido representa um alargamento do prazo de prescrição, ou, mais precisamente, a impossibilidade da prescrição alguma vez ocorrer. lxv. Contrariamente ao douto Acórdão recorrido, e por força do princípio de legalidade, o n.º 1 do artigo 49.º da LGT não pode ser interpretado “de acordo com a filosofia do instituto da prescrição” – ou seja, de acordo com as normas do Código Civil – particularmente em matérias que contendem efetivamente com a duração da prescrição.

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