TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
200 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL xxvi. Os contribuintes têm necessidade de saber qual a tributação a que estão sujeitos, quer no plano pessoal – tutelando as respetivas garantias – quer no plano económico – por permitir a gestão dos negócios, daí decorrendo a indispensabilidade de se respeitar o princípio da legalidade e o subprincípio da tipicidade – de os elementos essenciais do imposto, designadamente a prescrição das dívidas tributárias, constarem da lei. xxvii. Sendo certo que não estamos perante quaisquer “situações iguais ou similares” – a interrupção da prescri- ção motivada pela apresentação de impugnação judicial contra ato de liquidação nada tem que ver com a interrupção da prescrição motivada por “citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral” . xxviii.A funcionalidade da prescrição é, como já se disse, essencialmente, a de dar segurança ao devedor tribu- tário quanto a não ser incomodado a todo o tempo pelo credor – sendo assim, ela integra-se no elemento essencial dos impostos designado por “garantias dos contribuintes” a que alude o n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa. xxix. A subordinação da prescrição a este princípio fundamental da Constituição fiscal postula que vigore inteiramente nesta matéria o princípio da tipicidade fiscal: elementos como a fixação do prazo, a defini- ção do dies a quo em função do tipo de imposto como periódico ou de obrigação única, e enunciação das causas de interrupção ou suspensão da prescrição, a relevância ou irrelevância da citação para quaisquer desses efeitos, etc., têm de constar da lei com tal valor, e só poderá atender-se, para o efeito, aos aí tipifi- cados. xxx. Nem sequer estamos verdadeiramente perante uma lacuna do direito tributário, dado que, ao apelar-se ao Código Civil, a pretensa falta de normação não corre dentro do sistema normativo tributário – sendo, por isso, impossível apelar-se a situações de eadem ratio , ou de identidade essencial de interesses a acau- telar em situações de facto semelhantes. xxxi. Só dessa forma se confere sentido útil ao prescrito nos n.º 1 e 2 do preceito (artigo 49.º da LGT), dado que a instauração dos processos aí identificados – designadamente de impugnação judicial – não tem o condão legal de suspender, só por si, a eficácia do ato tributário e de evitar a instauração do processo executivo. xxxii. Com efeito, essa suspensão apenas ocorre por virtude do facto cumulativo da prestação de garantia. xxxiii.Ora, tendo a instauração de tal processo de impugnação judicial efeito interruptivo do prazo de prescri- ção, e tendo-se previsto a degeneração de tal efeito em simples suspensão por um ano na eventualidade apontada no n.º 2 do artigo 49.º da LGT, seria retirar sentido útil a esta limitação legal caso se viesse a admitir a suspensão do prazo por todo o tempo que durasse tal processo, sabido que a sua proposição não impede a instauração da execução fiscal. xxxiv. Só este entendimento respeita o sentido da respetiva lei de autorização, que apontou para a redução efetiva do prazo de prescrição, e não para o seu aumento – como decorreria da suspensão da prescrição por períodos superiores a um ano, em função do período de duração do processo de impugnação. xxxv. Esta reserva da lei formal em matéria da prescrição dos créditos tributários é uma reserva absoluta, na medida em que, relativamente aos elementos essenciais dos impostos, se está perante uma lex stricta – a lei formal não deve conter apenas o fundamento da conduta da administração, mas todos os elementos que permitam tomar ume decisão no caso concreto. xxxvi. Não havendo, em consequência, qualquer margem para “discricionariedade ou disponibilidade” do órgão encarregado de aplicar a norma – está-lhe vedada qualquer valoração pessoal, já que a decisão obtém-se por dedução da própria lei, “subsumindo o facto na norma”. xxxvii. E a razão de ser desta reserva de lei reside na necessidade de segurança jurídica, cujo conteúdo material se relaciona com a proteção da confiança dos particulares. xxxviii. E a principal garantia dos contribuintes é o princípio da legalidade que resulta dos artigo 103.º, n.º 2, e artigo 165.º, n.º 1, alínea i) , da Constituição da República – trata-se, para usar a expressão feliz de Pamplona Corte-Real, da “garantia das garantias dos contribuintes”.
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