TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
20 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 2. Admitido o pedido pelo Presidente do Tribunal Constitucional, o processo foi concluso ao Relator, em 28 de janeiro de 2014, para efeitos de elaboração do memorando referido n.º 2 do artigo 30.º da Lei n.º 15-A/98, de 3 de abril, alterada pelas Leis Orgânicas n.º 4/2005, de 8 de setembro, n.º 3/2010, de 15 de outubro e n.º 1/2011, de 30 de novembro – doravante Lei Orgânica do Regime do Referendo (LORR). 3. Apresentado o memorando, com as indicações referidas no n.º 3 do artigo 30.º da LORR, e fixada a orientação do Tribunal, cumpre elaborar o Acórdão nos termos do n.º 3 do artigo 31.º da mesma Lei. 4. Na origem da Resolução n.º 6-A/2014 esteve o projeto de resolução n.º 857/XII ( Diário da Assem- bleia da República , II Série-A, n.º 14/XII/3, de 24 de outubro de 2013), apresentado por sete Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata (PSD), em que se «propõe a realização de um referendo sobre a possibilidade de coadoção pelo cônjuge ou unido de facto do mesmo sexo e sobre a possibilidade de adoção por casais do mesmo sexo, casados ou unidos de facto». Os subscritores do projeto apontaram os seguintes fundamentos para o mesmo: «A adoção de crianças por casais do mesmo sexo foi já, por duas vezes, rejeitada na Assembleia da República. Todavia, foi recentemente aprovada na generalidade uma iniciativa legislativa que visa possibilitar a adoção do filho do cônjuge ou do unido de facto do mesmo sexo, isto é, e usando a terminologia empregue nessa iniciativa, a coadoção pelo cônjuge ou unido de facto do mesmo sexo. As audições havidas no âmbito do trabalho legislativo de especialidade dessa iniciativa (num total de 17 audi- ções nas mais diversas áreas do conhecimento desde o Direito à Psicologia, passando pela Saúde Mental) permiti- ram evidenciar que este tema está longe de colher qualquer consenso generalizado e que a diversidade de opiniões é manifesta. No entanto, esta matéria não foi objeto de discussão pública aturada e repetida, como merecem ser as ques- tões que implicam diretamente a assunção comunitária de um caminho de não retorno e cuja decisão final, sem comprometer a liberdade democrática que avaliza a discórdia, não admite tibiezas no cumprimento daquela que é a vontade maioritária. Sem respaldo no debate eleitoral das últimas legislativas, sede por excelência da afirmação das convicções e pro- jetos políticos das diferentes candidaturas, os partidos com assento parlamentar não devem, pois, eximir-se de tudo fazer para promover o mais amplo debate nacional sobre esta matéria. De resto, quando os Deputados signatários votaram, na generalidade, a iniciativa legislativa que visa possibilitar a adoção do filho do cônjuge ou do unido de facto do mesmo sexo, fizeram-no em plena consciência individual, sem descurar nenhum destes pressupostos. A seriedade dos efeitos que uma decisão nos moldes propostos acarretará, a que se liga a fragilidade daqueles por ela visados demandam, de resto, que o debate se faça de forma plena quanto à matéria e cristalina quanto às suas consequências. Por méritos que se achem na iniciativa parlamentar supramencionada, ninguém, em consciência, pode des- mentir o caráter parcelar e tendencialmente insuficiente de uma proposta que visava apenas uma fração da reali- dade abarcada pela discussão sobre a adoção por casais do mesmo sexo, elas próprias credoras da consideração plena que somente um debate inteiro sobre o universo de direitos que, enquanto cidadãos, lhes cabem pode garantir. Os deméritos de uma solução legislativa disruptiva, como esta indiscutivelmente se demonstra ser, mas mera- mente parcelar nos seus efeitos, aparecem sempre como desproporcionados se for possível legislar, como aqui manifestamente se conclui que é o caso, atendendo à completude da realidade a abarcar. Discutir parcelarmente a adoção de crianças por casais do mesmo sexo não difere, no que à valia da solução final respeita, de anteriores discussões, igualmente parciais, sobre questões ditas fraturantes ou, para nós, de cons- trução de um modelo de sociedade. Os ónus políticos e as fraturas sociais criadas com a discussão de uma parte destas realidades não é menor do que aqueles que resultam do debate franco sobre a plenitude da temática a tratar.
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