TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
182 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Enquadrando-se os termos de determinada repartição de competências nas “condições de utilização” e “limites” do domínio público marítimo estadual, só os órgãos de soberania, através de intervenção parlamen- tar ou governamental, poderão decidir o que pode ser partilhado e em que termos. Com efeito, as concretas formas de utilização do domínio público, nomeadamente quanto ao regime de licenciamento e contratos de concessão, são uma das matérias incluídas no n.º 2 do artigo 84.º da CRP que escapam à previsão do artigo 165.º, n.º 1, alínea v), da CRP e por isso, cabem na «concorrência legislativa concorrente da Assembleia da República e do Governo» (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit. p. 1007 e Acórdão n.º 402/08). A Região Autónoma dos Açores não pode unilateralmente definir os termos da gestão partilhada do domínio público marítimo, justamente porque a regulação primária dessa matéria contenderia com as com- petências das autoridades nacionais. O parâmetro do “âmbito regional” [alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP], na sua componente institucional, impede que os parlamentos insulares produzam legislação destinada a produzir efeitos relativamente a pessoas coletivas que se encontram fora do âmbito de jurisdição natural das Regiões Autónomas, como é o caso do próprio Estado (cfr. Acórdãos n.º 258/07 e n.º 304/11). Por outro lado, tal como se afirmou no Acórdão n.º 402/08, «os valores e interesses garantidos pela titu- laridade do Estado sobre os bens de domínio público marítimo exigem que o legislador nacional não abdique inteiramente da sua competência reguladora da exploração económica, por privados, desses bens, através de licenciamento. O iniludível alargamento do âmbito da competência legislativa das regiões, resultante da revisão constitucional de 2004, não põe em causa a intangibilidade das competências de órgãos nacionais, associadas ao exercício de funções de soberania, sem que isso importe, de modo algum, a revivescência de previsões constitucionais restritivas eliminadas por aquela revisão. Daí a obrigatoriedade de intervenção do legislador parlamentar ou governamental, quando está em causa o regime de licenciamento da utilização privada de um bem do domínio público necessário do Estado». 7.7. O Decreto Legislativo Regional n.º 21/2012/A, objeto do presente processo de fiscalização de lega- lidade, tem por objetivo regulamentar na Região Autónoma dos Açores o Decreto-Lei n.º 90/90. A inserção no campo material e no modo de disciplina deste Decreto-Lei é, desde logo, salientada no respetivo preâm- bulo quando se refere que «aquele diploma estabelece, no seu artigo 52.º, a sua aplicabilidade às Regiões Autónomas, sem prejuízo das competências dos respetivos órgãos de governo próprio e de diploma adequado que lhe introduza as necessárias adaptações, objetivo que se pretende atingir com o presente diploma». No plano material, o ato normativo regional está confinado ao conjunto das normas que executa: em primeiro lugar, o diploma contém uma série de normas que se limitam a reproduzir conceitos e definições constantes do Decreto-Lei n.º 90/90, como é o caso dos artigos 1.º, 2.º, n.º 1, e 3.º; seguidamente, em várias normas, procede à necessária adaptação orgânica do regime legal ao contexto específico regional, estipulando, designadamente, uma correspondência entre órgãos, serviços e atos da administração central e da adminis- tração autónoma, como acontece, por exemplo, no artigo 4.º, 14.º, 15.º, 16.º e 19.º; por fim, nas restantes normas, regulam-se uma série de procedimentos, entre os quais os requisitos para apresentação de planos de prospeção, pesquisa e exploração de recursos geológicos, exigidos para proteção dos próprios recursos (artigo 5.º), as formas de prospeção e pesquisa de quaisquer recursos geológicos, desde a execução dos trabalhos por entidades públicas à atribuição de direitos e celebração de contratos com terceiros (artigos 6.º, 7.º e 8.º), a atribuição de direitos de exploração, celebração e extinção dos respetivos contratos de concessão, bem como demarcação, acompanhamento e fiscalização das operações de extração (artigos 9.º, 10.º, 11.º, 12.º e 13.º), a ocupação, expropriação de terrenos e servidão administrativa de terrenos necessários à exploração de massas minerais ou águas de nascente (artigos 14.º e 15.º) e a proteção dos recursos geológicos (artigos 16.º e 17.º). Ora, a circunstância de o Decreto-Lei n.º 90/90 versar sobre matéria reservada aos órgãos de soberania não impede a intervenção do poder regulamentar regional, desde que indispensável à boa execução da lei e não comporte alteração do significado e alcance da normação inicial (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, ob. cit., Tomo III, p. 310).
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