TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
181 acórdão n.º 315/14 A titularidade dos poderes de administração das zonas marítimas, que fazem parte do conteúdo do domínio ou da jurisdição, continua a pertencer ao Estado, apenas se transferindo para a Região uma parte do exercício desses poderes. Numa leitura sistematizada das várias normas do artigo 8.º do EPARAA pode identificar-se três distin- tos domínios de competências gestionárias: (i) competência exclusiva do Governo da República, relativa- mente a tudo que seja incompatível com a integração dos bens no domínio público marítimo do Estado e (ou) que ponha em causa a integridade e soberania do Estado (cfr. segunda parte do n.º 1 e última parte do n.º 3); (ii) competência exclusiva da Região Autónoma, relativamente às atividades de extração de inertes, da pesca e de produção de energias renováveis, no âmbito da utilização privativa de bens do domínio público marítimo do Estado (cfr. n.º 2); (iii) competência concorrente entre o Estado e a Região, relativamente aos demais poderes reconhecidos ao Estado Português pela lei e pelo direito internacional (cfr. primeira parte do n.º 1 e n.º 3). A competência concorrente entre o Estado e a Região significa que os poderes de gestão são repartidos por órgãos administrativos das duas pessoas coletivas. Mas isso não quer dizer que qualquer um dos órgãos competentes os possa exercer sozinho, prevenido a jurisdição – isto é, ficando excluída, com o seu exercício, a possibilidade de outro órgão competente os poderes exercer. É que os poderes de gestão são atribuídos à Região para um exercício conjunto, no quadro de uma gestão partilhada, o que convoca a existência de estru- turas organizatório-funcionais e procedimentais que tornem possível a participação e a obtenção do acordo dos vários órgãos competentes. Não se afigura simples a delimitação dos conceitos de exercício conjunto e de gestão partilhada. Ambos têm em comum o facto de dois ou mais órgãos administrativos, uns da República e outros da Região, terem poderes para gerir as zonas marítimas adjacentes aos Açores: a prática de atos de gestão dessas zonas é, pois, comum a vários órgãos habilitados a dispor sobre a matéria em causa. Mas os meios para a participação e manifestação da vontade dos vários órgãos competentes na gestão das zonas marítimas não são uniformes, pois podem cobrir práticas muito diversificadas que vão da simples consulta à codecisão. Na Constituição não se encontra uma divisão explícita e apriorística no que se refere às competências executivas do Governo da República e do Governo Regional, da qual se possa extrair uma diretiva sobre os meios mais adequados à concretização do princípio da gestão partilhada. Para situações deste tipo, o modelo constitucional é o da cooperação entre o Estado e as regiões autónomas, como resulta do artigo 229.º da CRP. Como conceito jurídico-constitucional, «o princípio da cooperação associa entidades e competências jurídicas diferenciadas, estabelecendo entre elas uma “vinculação comum”, essencialmente teleológica, e exigindo des- tarte a sua “atuação conjunta”» (cfr. Rui Medeiros, Tiago de Freitas e Rui Lanceiro, ob. cit, p. 140). Ora, para haver partilha efetiva na gestão das zonas marítimas é imprescindível uma qualquer forma de colaboração ou coordenação entre a administração do Estado e a administração regional. E daí que os instrumentos que tornem possível essa colaboração devam ser vistos como manifestações do princípio da cooperação entre os órgãos do Estado e os órgãos regionais. Neste modelo de “regionalismo cooperativo”, sem perder de vista a natureza unitária do Estado (artigo 6.º e n.º 2 do artigo 225.º da CRP), as fórmulas de coordenação entre os órgãos nacionais e os órgãos regio- nais podem ser muito diversificadas, quer ponto de vista organizativo, quer do ponto de vista de repartição dos poderes de gestão. Na verdade, a comparticipação no exercício da atividade administrativa de uns e de outros órgãos pode assumir diversas formas, desde a criação de instituições de “concertação” entre diversas unidades administrativas, até à previsão de mecanismos procedimentais de consulta, propostas, pareceres, autorizações, aprovações, homologações, informações, etc. Para além do necessário limite da integridade e soberania do Estado, o artigo 8.º do EPARAA não den- sifica o princípio da gestão partilhada. Em cada utilização concreta do domínio público marítimo não se sabe como é que os diversos órgãos competentes podem partilhar a gestão dessa utilização. Ora, num domínio em que existem atribuições de exercício comum e repartido tem que haver uma definição prévia daquilo que pode ou não ser partilhado, assim como dos termos concretos em que se processa a partilha.
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