TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

18 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL momento até ao qual se pode apresentar um referendo sobre matéria objeto de uma iniciativa legis- lativa em curso de discussão e votação, já não é tão claro quanto à admissibilidade de se referendar matérias que foram objeto de iniciativas legislativas anteriormente rejeitadas pelo parlamento, como é o caso da segunda pergunta referendária; porém, a norma daquele artigo 4.º não afasta essa possi- bilidade, pois reporta-se apenas às questões suscitadas por atos legislativos (e convenções internacio- nais) em processo de apreciação, acentuando que «podem» ser objeto de referendo, pelo que, sob o ponto de vista do momento para desencadear o referendo, a Resolução da Assembleia da República n.º 6-A/2014 não padece de inconstitucionalidade e ilegalidade. V – Se atendermos a que o referendo tem duas perguntas simultâneas, a aferição da conformidade com o disposto no n.º 6 do artigo 115.º da Constituição e do n.º 2 do artigo 6.º da LORR, implica também que se ajuíze se essas normas são respeitadas pela articulação entre si das duas questões em causa e pela conjugação das respostas que lhes podem ser dadas; ora, a formulação simultânea das questões em causa pode levar à falta de compreensão, por parte dos eleitores, dos valores que se manifestam em cada um dos quesitos; de facto, as questões referem-se a duas possibilidades – coadoção e adoção conjunta por casais do mesmo sexo – que, embora enquadradas na mesma matéria – requisitos para adotar – são perguntas às quais estão subjacentes ponderações distintas. VI – Na questão formulada na primeira pergunta, está em causa a adoção do filho de cônjuge ou unido de facto do mesmo sexo, podendo o interesse da criança em ser adotada por aquela pessoa em concreto ter um peso que não se manifesta com a mesma intensidade na segunda pergunta, pois o interesse da criança também pode consistir «na verdade sociológica ou afetiva por ela vivida»; já a segunda pergun- ta não realiza ou manifesta em si a mesma valoração, porque aí se questiona a adoção de uma criança por duas pessoas do mesmo sexo, sem que algum dos membros do casal seja titular da parentalidade do adotando. VII – Em suma: na primeira questão existe uma família de facto já constituída, enquanto a segunda se pre- tende constituir uma família ex novo ; assim, nesta segunda questão já não estará em causa o interesse do menor em ver reconhecida uma relação jurídica com uma família em concreto, mas apenas uma simples pretensão de um casal a adotar, ex novo , uma criança que não terá, à partida, qualquer relação com o casal, ainda que tenha interesse em ser adotada, em geral; ora, atendendo a que o instituto da adoção visa satisfazer em primeiro plano os interesses da criança, e não o dos adotantes, não se pode deixar de referir que os cidadãos eleitores podem desconsiderar que as valorações a ter em conta são distintas numa e noutra questão. VIII– Estas diferentes valorações, inerentes a uma e outra questão, podem gerar ambiguidade, pelo que a conjugação destes quesitos num só referendo, pela diversidade de valorações que devem concorrer para uma resposta a dar a um e a outro, é de molde a pôr em causa o respeito pela necessidade de precisão das questões; além disso, a junção destas duas perguntas deixa o legislador numa situação dilemática, uma vez que na hipótese do resultado do referendo ser no sentido da proibição da adoção singular do filho natural ou adotado do cônjuge do mesmo sexo (um «não» à primeira pergunta), conjugada com a obrigatoriedade de permissão de adoção por casais de pessoas do mesmo sexo (um «sim» à segunda pergunta), os eleitores deixam o legislador numa posição em que é obrigado a permi- tir o estabelecimento de relações de parentalidade, através da adoção, em relação a todos os casais do mesmo sexo sem poder permitir o estabelecimento de relações de parentalidade em relação a apenas alguns casais do mesmo sexo, situação que, tendo em conta a necessária unidade do ordenamento

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