TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

177 acórdão n.º 315/14 mas «cabe, e não pode deixar de caber, por imperativo constitucional, atenta a sua incindível conexão com a identidade e a soberania nacionais» (Acórdão n.º 402/08). 7.4. Ora, o fundamento fornecido pela soberania, para justificar a titularidade estadual do leito e sub- solo do mar territorial e da plataforma continental contíguos ao arquipélago dos Açores, é também razão justificativa para se atribuir ao Estado o domínio dos recursos geológicos integrados ou fisicamente incor- porados naqueles espaços marítimos. Os recursos minerais marinhos são bens públicos sujeitos a um regime jurídico de dominialidade que, pela sua especificidade, se distingue do regime estabelecido para o domínio público marítimo. Mas apesar de se não confundirem com o domínio público marítimo, estão intrinseca- mente ligados a ele, em termos de interferirem nos poderes inerentes a essa dominialidade. Seja qual for a sua classificação em sede de teoria das coisas ( v. g. «partes componentes», «partes integrantes», «frutos» ou «produtos»), a verdade é que os recursos minerais marinhos se encontram estreitamente conexionados com o leito do mar e subsolo correspondente. A ligação intrínseca entre ambos os bens naturais impede mesmo que tais recursos sejam tidos com res nullius , ou seja, bens abandonados antes de revelados e explorados. De facto, como refere Bonifácio Ramos, «os recursos geológicos não se encontram abandonados no momento da atribuição do direito de pesquisa ou de exploração, mas integram-se no subsolo de um imóvel que, no seu conjunto, se encontra na titularidade de uma ou de várias pessoas jurídicas. Mesmo os recursos geológicos que ainda não tenham sido descobertos no momento da celebração do contrato não serão res nullius » (cfr. O Regime e a Natureza Jurídica do Direito dos Recursos Geológicos dos Particulares , Lex., pp. 180 e 181). Antes de reveladas, as substâncias minerais de interesse económico depositadas no solo ou subsolo coberto pelas águas do mar territorial estão integradas no domínio público marítimo, e por isso mesmo só o respetivo titular – o Estado – tem o poder de ordenar ou autorizar a sua pesquisa e prospeção. Sobre o espaço marítimo territorial, o Estado exerce todas as faculdades de utilização e fruição que a natureza pública do domínio consente, incluindo a possibilidade de rentabilização e exploração económica. Sem que haja a des- coberta do recurso mineral numa determinada área marítima, o titular do domínio pode proceder ou autori- zar atividades de prospeção e pesquisa desses minerais. Este poder faz parte dos direitos dominiais inerentes ao domínio público marítimo e não ao domínio público geológico, pois nessa fase nem sequer se sabe se o recurso existe na área objeto de prospeção. Como se conclui no Parecer n.º 92/88, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, «os direitos de fruição, administração e polícia do domínio público pertencem ao Estado soberano que os deve exercer no contexto do interesse nacional» (cfr. Pareceres, Vol. III, pp. 573 e segs.). Por conseguinte, as operações tendentes à descoberta de recursos minerais marinhos e à avaliação do interesse económico da descoberta são “atos de administração” do domínio público marítimo. Após a revelação, o recurso mineral marinho integra-se automaticamente no domínio público geológico (cfr. n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 90/90). E assim, a descoberta dos recursos minerais dá origem a uma alteração quantitativa do domínio, causando como que uma divisão ou «desmembramento» do seu objeto: os recursos minerais passam a constituir objeto do domínio público geológico e o solo e subsolo marinhos onde eles se encontram são objeto do domínio público marítimo. Esta sobreposição de domínios, decorrente da unidade física de ambos os objetos, implica que em certos casos o uso e fruição de um tenham que ser exercidos à custa (et pour cause) do outro. Com efeito, o aprovei- tamento dos recursos minerais através da atribuição a terceiros de direitos de prospeção, pesquisa ou explora- ção exige a demarcação da área onde será exercida essa atividade (cfr. artigo 25.º da Decreto-Lei n.º 90/90), demarcação esta que é uma faculdade característica do dominus soli. Mesmo que a titularidade dos recursos geológicos pertencesse a outra entidade pública, que não o Estado, o seu aproveitamento só poderia ocorrer por força da compressão ou constrição do domínio público marítimo. Por outro lado, os recursos minerais, relativamente ao leito do mar e seu subsolo onde se encontram depositados, aparecem qualificados na lei como «produtos resultantes da exploração» [cfr. alínea b) do n.º 1

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