TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
174 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL À primeira vista, a integração dos recursos minerais marinhos no domínio público geológico facilita a argumentação de que o objeto das normas questionadas não se enquadra na norma invocada pelo requerente como parâmetro de legalidade – o artigo 8.º do EPARAA –, uma vez que esta norma limita-se a estabelecer uma divisão de competências administrativas entre o Estado e a Região Autónoma dos Açores no que se refere ao domínio público marítimo. Na verdade, a estrutura material e funcional dos bens integrados no domínio público geológico diverge substancialmente dos bens que fazem parte do domínio público marítimo. Uma coisa é o leito do mar, o subsolo correspondente e os fundos marinhos contíguos da plataforma continental, outra bem diferente são as ocorrências minerais existentes nesses espaços marítimos. Os depósitos ou jazigos de substâncias minerais existentes no solo e subsolo cobertos pelas águas do mar constituem uma categoria de coisas públicas distinta dos bens em que estão integradas e que por isso mesmo pode ser sujeita a um regime jurídico de dominiali- dade diverso do previsto para os bens em que se integram. Não obstante a conexão física indissociável entre ambos os bens, para efeito da dominialidade, os recursos minerais marinhos autonomizam-se do solo e sub- solo marinho, que pertence ao domínio público marítimo, e integram-se no domínio público geológico [cfr. alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 84.º da CRP]. Por outro lado, a autonomização desses bens dominais, com a consequente subordinação a um regime jurídico diverso daquele em que se encontram integrados, torna possível que os titulares dos poderes de domínio sobre cada um desses bens sejam entidades administrativas diferentes. É que, em virtude do n.º 2 do artigo 84.º da CRP, os sujeitos com legitimidade para serem titulares do domínio público são as pessoas coletivas públicas territoriais – Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais. Ora, se os entes públicos territoriais com poderes sobre os bens dominiais podem ser vários, nada obsta a que bens que se encontram física e funcionalmente ligados, mas juridicamente autonomizados, possam constituir domínios públicos «pertencentes» a diferentes titulares. 7.2. É verdade que não decorre diretamente da Constituição a pertença ao domínio público estadual de todos os bens naturais cujo regime jurídico é regulado pelo Decreto-Lei n.º 90/90, nomeadamente os jazigos minerais expressamente mencionados na alínea c) do n.º 1 do artigo 84.º da CRP. De facto, a Lei Fundamental estatui apenas a sua pertença ao domínio público em geral – um domínio público ex constitu- cione – remetendo para a lei, no n.º 2 daquele artigo, a definição dos bens que integram o domínio público de cada ente público territorial: «a lei define quais os bens que integram o domínio público do Estado, o domínio público das regiões autónomas e o domínio público das autarquias locais, bem como o seu regime, condições de utilização e limites». Como afirmam Gomes Canotilho e Vital Moreira “compete à lei a determinação do sujeito titular dos diversos tipos de bens do domínio público, embora pareça natural que certos bens não podem deixar de inte- grar o domínio público do Estado, por serem inerentes ao próprio conceito de soberania (...). Já assim não sucede, ou não tem de suceder, por exemplo, em relação ao domínio público hídrico (não marítimo) (...) ou até ao domínio público geológico, designadamente quando tais bens não estejam vinculados territorialmente ou funcionalmente ao exercício de direitos dominiais soberanos” (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, volume I, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 1004 e 1005). Apesar dos recursos minerais fazerem parte do domínio público ex constitutione , isso não significa que a respetiva titularidade tenha que pertencer sempre ao Estado. A esse propósito, referem Jorge Miranda e Rui Medeiros que «não é seguro que se possa extrair da Constituição que o domínio público geológico seja um exclusivo do Estado, não se vislumbrando à partida motivo para vedar, em absoluto, a entidades não estaduais, e designadamente às Regiões autónomas, a titularidade de algumas realidades aqui compreendi- das ( v. g. nascentes de águas mineromedicinais)» (cfr., Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, Coimbra Editora, p. 93).
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