TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
162 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL com um objetivo de preservação ambiental, uma vez que essa preocupação não seria em 1990 tão aguda como é hoje. – Todavia, ainda que se exclua a inconstitucionalidade (orgânica) do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2012/A, nem por isso a sua validade material está garantida. Bem pelo contrário, segundo se julga, ao assumir a totalidade da aplicação administrativa do regime do Decreto-Lei n.º 90/90 na Região Autónoma dos Açores, a Assembleia Legislativa violou de forma evidente o n.º 3 do artigo 8.º do Estatuto, segundo o qual “os demais poderes reconhecidos ao Estado português sobre as zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional adjacentes do arquipélago dos Açores [isto é, os poderes que excedam os previsto no n.º 2, relativos ao licenciamento da extração de inertes, da pesca e da produção de energia] (...) são exercidos no quadro de uma gestão partilhada com a Região, salvo quando esteja em causa a integridade e soberania do Estado. – Na verdade, o conteúdo do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2012/A não é de todo um regime de partilha do exercício dos poderes administrativos entre o Estado e a Região – recorde-se que o artigo 8.º não diz respeito ao âmbito da competência legislativa, que está por definição reservada à Assembleia da República – mas sim um regime de exclusivo regional. Com efeito, não se prevê qualquer procedimento de decisão concertada ou de codecisão entre o Estado e a Região [cfr., Ana Maria Guerra Martins, A participação (...), cit., pp. 32-33]. O Estado não tem nenhum poder de veto ou de não ratificação de decisões da competência das autoridades regionais – por exemplo quando entenda que estas possam pôr em perigo a integridade ou a soberania do Estado – nem tão-pouco se prevê a sujeição das decisões dos órgãos regionais a pareceres obrigatórios e/ou vin- culativos por parte dos órgãos competentes do Governo da República. Não há, tão-pouco, deveres especiais de informação e consulta da Região relativamente ao Estado, apesar de este ser o titular do domínio público marítimo. É certo que não cabe ao Tribunal Constitucional determinar em que termos se deve desenvolver a dita gestão partilhada entre o Estado e a Região – essa é, naturalmente, uma tarefa que implica o exercício de uma liberdade de conformação que só o legislador democrá- tico dispõe –, mas cabe-lhe certamente verificar, mesmo à luz de um critério de evidência, que o regime constante do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2012/A não corresponde manifestamente à ideia de gestão partilhada de poderes que foi adotada pelo legislador estatutário. – De resto, sublinhe-se que esta ilegalidade por violação do n.º 3 do artigo 8.º do Estatuto abrange não apenas o Decreto Legislativo Regional n.º 21/2012/A, mas o próprio artigo 52.º do Decreto- -Lei n.º 90/90 enquanto norma habilitante daquele – caso em que se trata de ilegalidade (material) superveniente (por violação de lei de valor reforçado). – Parece evidente que tem de ser o legislador nacional a definir um quadro competencial de “reserva do Governo da República”, nos âmbitos materiais com relevo direto para a integridade e soberania do Estado e também a definir com precisão os termos de uma partilha equilibrada de competências administrativas nos restantes âmbitos materiais. – O referido artigo 52.º, ao conceder um verdadeiro cheque em branco à Região, permitindo-lhe assumir a totalidade das competências previstas no próprio Decreto-Lei n.º 90/90 – sem qualquer restrição ou precaução –, não é mais compaginável com as exigências que entretanto foram intro- duzidas pelo preceito do Estatuto Político-Administrativo. O domínio público marítimo é per- tença do Estado é ao Estado que compete definir as respetivas políticas – com participação regional [alínea s) do n.º 1 do artigo 227.º] – em consequência, a competência legislativa para definir o âmbito e o regime desse bem dominial é reservada aos órgãos de soberania. – Na sequência da fundamentação exposta, conclui-se no sentido de que as normas contidas no artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 90/90 e no articulado do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2012/A padecem do vício de violação de lei de valor reforçado, por desconformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 8.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, reque- rendo-se, em conformidade, a respetiva declaração de ilegalidade com força obrigatória geral.
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