TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
160 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL – Do artigo 8.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores ressalta um modelo de repartição das atribuições e competências que, no âmbito da função administrativa, hão de pertencer ao Estado e à Região Autónoma dos Açores no que respeita ao mar e, em particular, ao domínio público marítimo. Mais precisamente, nele se demarcam (pelo menos) três domínios competenciais distintos, a saber: uma reserva absoluta de Governo da República, respeitante a todas aquelas competências que envolvam o exercício de prerrogativas soberanas ou que pela sua natu- reza devam ser exercidas de forma unitária em todo o território nacional (segunda parte do n.º 1 e segunda parte do n.º 3); uma competência tendencialmente reservada à Região de licenciamento (e atuações afins) nas áreas da extração de inertes, das pescas e da produção de energias renováveis (n.º 2); por fim, uma ampla zona (residual) de competências concorrenciais entre o Estado e a Região, a qual deve subordinar-se a um princípio de gestão partilhada: ou seja, em que o legislador deve estabelecer mecanismos de codecisão ou de cooperação ou procedimentos reforçados de con- sulta (primeira parte do n.º 1 e primeira parte do n.º 3). – Porque a realidade é sempre demasiado complexa para caber nos limites de uma qualquer classifi- cação, não se tratará obviamente aqui de três domínios competenciais que possam ser recortados com precisão cirúrgica. Haverá entre eles zonas cinzentas e sobreposições inevitáveis. Mas, por isso mesmo, é forçoso reconhecer que o artigo 8.º é um preceito não exequível por si mesmo e, mor- mente, que não pode haver verdadeira gestão partilhada sem uma intervenção legislativa dos órgãos de soberania que determine – naturalmente após participação das instâncias regionais – os termos dessa mesma partilha. Na verdade, como resulta da jurisprudência do Tribunal Constitucional, quando um regime jurídico envolve necessariamente entidades nacionais e entidades regionais, a sua definição legal só pode caber aos órgãos de soberania (Acórdão n.º 258/07). – Na sequência da terceira revisão do seu Estatuto Político-Administrativo, a Região Autónoma dos Açores tem produzido diversos diplomas legais sobre matérias relativas ao mar, que envolvem a densificação normativa das suas competências estatutárias em matéria de gestão do mar (artigo 8.º, n.º 2, e artigo 53.º) e, bem assim, em áreas conexas relativas ao turismo [artigo 55.º, n.º 2, alíneas d) e e) ], à atividade portuária [artigo 56.º, n.º 2, alínea t) ], e à proteção do ambiente marinho e costeiro [artigo 57.º, n.º 2, alíneas b) , g) e m) ]. – Contudo, a matéria versada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 21/2012/A ora sob sindicância, não recaindo sobre as “atividades de extração de inertes, da pesca e de produção de energias reno- váveis” (n.º 2 do artigo 8.º), mas respeitando antes “aos demais poderes reconhecidos ao Estado Português sobre as zonas marítimas” (n.º 3 do artigo 8.º), pressupõe a existência de uma definição legislativa prévia, por parte dos órgãos de soberania, de um quadro de repartição de competências entre as autoridades nacionais e as autoridades regionais – definição essa que, manifestamente, não se encontra no artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 90/90. – Numa primeira aproximação, o Decreto Legislativo Regional n.º 21/2012/A, ao abranger no seu âmbito de aplicação recursos geológicos que se situam no domínio público marítimo, parece versar sobre uma matéria que integra a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da Repú- blica [165.º, n.º 1, alínea v), e artigo 84.º da Constituição]. – Em segundo lugar, é sabido que a própria alínea i) do n.º 2 do artigo 53.º do Decreto que origi- nariamente continha a terceira revisão do Estatuto Político-Administrativo – alínea onde se dizia competir à Região legislar sobre “os regimes de licenciamento, no âmbito da utilização privativa dos bens do domínio público marítimo do Estado, das atividades de extração de inertes e da pesca” – foi considerada inconstitucional, em sede de fiscalização preventiva, pelo Acórdão n.º 402/08 (pp. 5714-5716 do Diário da República , n.º 158, Série I, de 18 de agosto de 2008). – Em terceiro lugar, sendo o domínio público marítimo pertença do Estado – como resulta do n.º 3 do artigo 22.º do Estatuto e do artigo 4.º da já mencionada Lei n.º 54/2005 –, a Região não
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=