TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
144 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O ponto é que, a par desses critérios gerais atinentes à produção de prova, o processo de julgamento está reduzido a um mínimo indispensável ao conhecimento e boa decisão da causa (artigo 386.º, n.º 2) e contém limitações ao exercício do direito de defesa que, ainda que consentâneas com as características de uma forma sumária, não são compatíveis com a maior exigência que o julgamento de crimes mais graves coloca no plano das garantias de defesa. E não constitui suficiente cláusula de salvaguarda o reenvio dos autos para o processo comum quando não tenha sido possível a realização das diligências de prova necessárias à descoberta da verdade dentro dos limitados prazos definidos para a realização da audiência, como prevê a alínea c) do n.º 1 do artigo 390.º Aí está ainda em causa a aplicação estrita do princípio da verdade material num caso pontual em que o processo sumário, pela exigência de celeridade, se não mostra adequado à complexidade ou dificuldade de obtenção de prova. Mas não é essa específica previsão, que já constava da versão originária do Código – quando o julgamento em processo sumário se reportava a crimes puníveis com pena não superior a três anos –, que pode atenuar as garantias de defesa que está associado ao processo sumário quando este deva prosse- guir em relação a crimes a que correspondam as mais graves molduras penais. 9. Como o Tribunal Constitucional tem reconhecido, o julgamento através do tribunal singular ofe- rece ao arguido menores garantias do que um julgamento em tribunal coletivo, porque aumenta a margem de erro na apreciação dos factos e a possibilidade de uma decisão menos justa (entre outros, os Acórdãos n. os 393/89 e 326/90). É desde logo a maior abertura que a intervenção de órgão colegial naturalmente pro- picia à ponderação e discussão de aspetos jurídicos e de análise da prova que permite potenciar uma maior qualidade de decisão por confronto com aquelas outras situações em que haja lugar ao julgamento por juiz singular. Daí que a opção legislativa pelo julgamento sumário deva ficar sempre limitada pelo poder condenató- rio do juiz definido em função de um critério quantitativo da pena aplicar, só assim se aceitando – como a jurisprudência constitucional tem também sublinhado – que não possa falar-se, nesse caso, numa restrição intolerável às garantias de defesa do arguido. Acresce que a prova direta do crime em consequência da ocorrência de flagrante delito, ainda que facilite a demonstração dos factos juridicamente relevantes para a existência do crime e a punibilidade do arguido, poderá não afastar a complexidade factual relativamente a aspetos que relevam para a determinação e medida da pena ou a sua atenuação especial, mormente quando respeitem à personalidade do agente, à motivação do crime e a circunstâncias anteriores ou posteriores ao facto que possam diminuir de forma acentuada a ilicitude do facto ou a culpa do agente. E estando em causa uma forma de criminalidade grave a que possa corresponder a mais elevada moldura penal, nada justifica que a situação de flagrante delito possa implicar, por si, um agravamento do estatuto processual do arguido com a consequente limitação dos direitos de defesa e a sujeição a uma forma de pro- cesso que envolva menores garantias de uma decisão justa. Como se deixou entrever, o princípio da celeridade processual não é um valor absoluto e carece de ser compatibilizado com as garantias de defesa do arguido. À luz do princípio consignado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, não tem qualquer cabimento afirmar que o processo sumário, menos solene e garantístico, possa ser aplicado a todos os arguidos detidos em flagrante delito independentemente da medida da pena aplicável. Não subsiste motivo para que, em caso de flagrante delito, o recurso ao processo sumário se não man- tenha dentro do limite abstrato máximo de competência do juiz singular quando intervenha em processo comum. Ainda que não haja obstáculo a que o âmbito de aplicação do processo sumário se estenda aos casos em que a pena a aplicar em concreto não deva ultrapassar os cinco anos por via do funcionamento de um mecanismo equivalente ao previsto no artigo 16.º, n.º 3, do CPP, que o Tribunal considerou já não ser inconstitucional (Acórdão n.º 296/90).
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