TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
142 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ficou o alargamento da competência do tribunal singular em processo comum em relação a processos crimes cuja pena máxima, abstratamente aplicável, seja superior a 5 anos de prisão, quando o Ministério Público tenha requerido na acusação a não aplicação, em concreto, de pena superior a esse limite. Manteve-se, por outro lado, a possibilidade de o julgamento de detidos em flagrante delito ser efetuado pelo tribunal de júri relativamente a crimes cuja pena máxima, abstratamente aplicável, seja superior a oito anos de prisão, quando essa intervenção tenha sido requerida pelo Ministério Público, pelo arguido ou pelo assistente [artigos 13.º, n.º 2, e 390.º, n.º 1, alínea b) ]. 6. Tradicionalmente, a utilização do processo sumário em matéria penal surge associada à pequena e média criminalidade e mostra-se justificada pela verificação imediata dos factos através da detenção do agente em flagrante delito, o que permite dispensar outras formalidades e mais largas investigações que nor- malmente teriam lugar através das fases de inquérito e de instrução, no âmbito do processo comum (Anabela Miranda Rodrigues, “Os processos sumário e sumaríssimo ou a celeridade e o consenso” , in Revista Portu- guesa de Ciência Criminal , ano 6.º, Outubro-Dezembro de 1996, p. 527). O progressivo alargamento do âmbito de aplicação do processo sumário, mediante a elevação do limite da pena aplicável ao crime cometido em flagrante delito que pode ficar abrangido por essa forma de pro- cesso, é, por outro lado, explicável por uma lógica de produtividade e de eficácia, mas também de justiça, que têm como fundamento a exigência de celeridade processual. Tratar-se-á de um mecanismo norteado pela maximização da eficácia, otimização da reação político-criminal e descongestionamento dos tribunais (Henriques Gaspar, “Processos especiais”, in Jornadas de Direito Processual Penal. O novo Código de Processo Penal , Centro de Estudos Judiciários, Coimbra, 1993). É nessa mesma linha de política legislativa que se enquadra a nova alteração introduzida pela Lei n.º 20/2013, que na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 77/XII – que originou a aprovação desse diploma – é justificada simplesmente nestes termos: «A possibilidade de submeter os arguidos a julgamento imediato em caso de flagrante delito possibilita uma justiça célere que contribui para o sentimento de justiça e o apaziguamento social. Atualmente, a lei apenas pos- sibilita que possam ser julgados em processo sumário, ou os arguidos a quem são imputados crime ou crimes cuja punição corresponda a pena de prisão não superior a cinco anos ou quando, ultrapassando a medida abstrata da pena esse limite, o Ministério Público entenda que não lhes deve ser aplicada pena superior a cinco anos de prisão. Contudo, não existem razões válidas para que o processo não possa seguir a forma sumária relativamente a quase todos os arguidos detidos em flagrante delito, já que a medida da pena aplicável não é, só por si, excludente desta forma de processo.» Impunha-se, assim, uma alteração legislativa que contemplasse esta possibilidade. 7. A primeira questão de constitucionalidade que o novo critério legal definido para o âmbito do julga- mento em processo sumário coloca é o das garantias de defesa do arguido. Nos termos do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, o «processo criminal assegura todas as garantias de defesa ao arguido», o que engloba indubitavelmente «todos os direitos e instrumentos necessários e adequa- dos para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação» (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Consti- tuição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, Coimbra, p. 516). O n.º 2 do mesmo artigo, que associa o princípio da presunção da inocência do arguido à obrigatoriedade do julgamento «no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa» (n.º 2, in fine ), tem subjacente o direito a um processo célere, partindo da perspetiva de que a demora do processo penal, além de prolongar o estado de suspeição e as medidas de coação sobre o arguido, acabará por esvaziar de sentido e retirar conteúdo útil ao princípio da presunção de inocência ( idem , p. 519).
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