TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
134 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL superior, igual ou inferior a 30%, porquanto a finalidade da pensão é em todos os casos o mesmo – trata-se de uma prestação destinada “a compensar o sinistrado pela perda ou redução permanente da sua capacidade de ganho resultante de acidente de trabalho” (cfr. o artigo 48.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009; nesta perspetiva, a pensão desempenha uma função substitutiva do vencimento para a subsistência do beneficiário, conforme tem sido salientado na jurisprudência deste Tribunal) – ; e tal finalidade fica irremediavelmente comprome- tida com a desvalorização monetária. Por idêntica ordem de razões, também se deve impedir que os sinis- trados em acidente de trabalho, afetados de uma incapacidade inferior a 30% mas com pensões superiores a seis vezes a retribuição mínima mensal garantida, sejam colocados numa situação de desvantagem em relação aos sinistrados com incapacidade inferior a 30%, mas que viram as suas pensões imediatamente remidas, não correndo assim o risco da desvalorização monetária. Em suma, a não atualização das pensões de montante igual ou superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor no dia seguinte ao da alta do trabalhador sinistrado que em consequên- cia do acidente de trabalho tenha ficado com uma incapacidade permanente parcial inferior a 30% viola o direito à justa reparação do trabalhador sinistrado consignado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f ) , da Constitui- ção, uma vez que não acautela a desadequação do quantitativo da pensão à função reparatória e compensa- tória que lhe é inerente (neste sentido, cfr. o já referido Acórdão deste Tribunal n.º 302/99). Acresce que tal solução de não atualização, ao impor soluções diferentes relativamente a quantias que desempenham nos termos da Constituição e da lei função idêntica – como sucede relativamente: (i) às pensões remíveis não voluntariamente remidas; (ii) às pensões sobrantes determinadas em razão de prévia remição parcial; e (iii) às pensões não remíveis compensatórias de incapacidade permanente parcial igual ou superior a 30% – também não se mostra materialmente fundada, sendo por isso mesmo arbitrária. Nesse sentido, afirmou-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 546/11: «[É] ponto assente que o n.º 1 do artigo 13.º da CRP, ao submeter os atos do poder legislativo à observância do princípio da igualdade, pode implicar a proibição de sistemas legais internamente incongruentes, porque inte- grantes de soluções normativas entre si desarmónicas ou incoerentes. Ponto é, no entanto – e veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 232/03, disponível em www.tribunalconstitucional.pt – que o carácter incongruente das escolhas do legislador se repercuta na conformação desigual de certas situações jurídico-subjetivas, sem que para a medida de desigualdade seja achada uma certa e determinada razão. É que não cabe ao juiz constitucional garantir que as leis se mostrem, pelo seu conteúdo, “racionais”. O que lhe cabe é apenas impedir que elas estabeleçam regimes desrazoáveis, isto é, disciplinas jurídicas que diferenciem pessoas e situações que mereçam tratamento igual ou, inversamente, que igualizem pessoas e situações que mereçam tratamento diferente. Só quando for negativo o teste do “merecimento” – isto é, só quando se concluir que a diferença, ou a igualização, entre pessoas e situações que o regime legal estabeleceu não é justificada por um qualquer motivo que se afigure compreensível face a ratio que o referido regime, em conformidade com os valores constitucionais, pretendeu prosseguir – é que pode o juiz cons- titucional censurar, por desrazoabilidade, as escolhas do legislador. Fora destas circunstâncias, e, nomeadamente, sempre que estiver em causa a simples verificação de uma menor “racionalidade” ou congruência interna de um sis- tema legal, que contudo se não repercuta no trato diverso – e desrazoavelmente diverso, no sentido acima exposto – de posições jurídico-subjetivas, não pode o Tribunal Constitucional emitir juízos de inconstitucionalidade. Nem através do princípio da igualdade (artigo 13.º) nem através do princípio mais vasto do Estado de direito, do qual em última análise decorre a ideia de igualdade perante a lei e através da lei (artigo 2.º), pode a Constituição garantir que sejam sempre “racionais” ou “congruentes” as escolhas do legislador. No entanto, o que os dois princípios claramente proíbem é que subsistam na ordem jurídica regimes legais que impliquem, para as pessoas, diversidades de tratamento não fundados em motivos razoáveis». No caso presente, porém, não se vislumbram motivos razoáveis para a previsão de atualização apenas do valor das pensões devidas por incapacidade permanente igual ou superior a 30%, estabelecida no artigo 82.º,
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=