TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

116 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ao determinar que os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas coletivas, e que colaborem dolosamente na prática de certa infração tributária, serão solidariamente responsáveis pelas multas aplicadas pela prática da infração, inde- pendentemente da sua responsabilidade pela mesma, a norma constante do n.º 7 do artigo 8.º do RGIT é inconstitucional, por violar princípios constitucionais com relevo em matéria penal. Com efeito, a norma permite que quem tenha sido condenado em virtude da sua própria comparti- cipação na infração venha a ser chamado a responder pelo pagamento da multa aplicada à pessoa coletiva. Mas a verdade é que não parece ser constitucionalmente legítimo que se faça recair, sobre o indivíduo que já foi penalmente condenado pelo seu próprio comportamento, uma qualquer outra obrigação, seja de que natureza for, e que venha a acrescer à sanção que lhe foi concretamente aplicada. Os princípios que estru- turam o ordenamento jurídico-penal, e que decorrem em última análise da dignidade das pessoas – o que fundamenta o princípio da culpa, e, por seu turno, o princípio da intransmissibilidade das penas, prescrito no n.º 3 do artigo 30.º da CRP – impedem que assim seja. Tal não significa, note-se, que o propósito de conferir eficácia acrescida à tutela penal dos bens jurídicos protegidos seja jurídico-constitucionalmente irrelevante. A garantia de efetiva cobrança de créditos por parte da Administração Tributária associada a uma perspetiva de eficácia de prevenção criminal assume indiscuti- velmente um valor constitucional suscetível de justificar a compressão de direitos ou de valores constitucio- nais com ele conflituantes, não podendo esse valor deixar de ser tido em conta na ponderação efetuada, desde logo, pelo legislador na modelação do regime geral das infrações tributárias. Simplesmente, a liberdade de conformação de que goza o legislador nesse – como em qualquer outro – domínio não é ilimitada, cabendo à justiça constitucional efetuar um controlo sobre a ponderação efetuada a nível legislativo. Ora, a garantia de efetiva cobrança de créditos tributários associada a uma perspetiva de eficácia de pre- venção criminal, não tem um peso tal que justifique que um indivíduo, cumulativamente com a sanção que lhe foi aplicada no âmbito de um processo penal, fique responsável por qualquer outra obrigação, seja de que natureza for. – Maria Lúcia Amaral. DECLARAÇÃO DE VOTO Votei vencida, pelos fundamentos constantes da minha declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 297/13. Acresce que o Supremo Tribunal de Justiça proferiu, em 8 de janeiro de 2014, um acórdão a uniformi- zar jurisprudência na matéria em que afasta a tese da natureza penal da responsabilidade prevista no artigo 8.º, n.º 7 do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT). Sendo assim, persistir no juízo de inconstitucionalidade da norma contida no artigo 8.º, n.º 7, do RGIT, por a responsabilidade solidária do gerente pelo pagamento da multa aplicada à sociedade, ali prevista, não respeitar a Constituição Penal, significa ignorar a interpretação dada pelo Supremo Tribunal de Justiça àquele preceito legal, num acórdão que, por ser uniformizador de jurisprudência, tem por fim persuadir os órgãos jurisdicionais a seguirem o seu sentido decisório e que tem o seguinte teor: “nos termos do n.º 7 do artigo 8.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, sendo condenados em coautoria material de infração dolosa, uma pessoa coletiva ou uma sociedade, ainda que irregularmente constituída, ou outra entidade fiscalmente equiparada, e os seus administradores, gerentes, ou outras pessoas que exerçam de facto funções de adminis- tração, estes são civil e solidariamente responsáveis pelo pagamento das multas ou coimas em que a pessoa coletiva, sociedade ou entidade fiscalmente equiparada for condenada, independentemente da responsabili- dade pessoal que lhes caiba” (destacado meu). Ora, não cabendo ao Tribunal Constitucional definir a interpretação válida do direito infraconstitucio- nal, antes julgar a conformidade de normas com a Constituição, a questão que fica por responder é então a

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