TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

114 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de outrem, mas antes de uma verdadeira responsabilidade autónoma e distinta da responsabilidade que possa ser imputada a pessoas físicas que compõem a pessoa coletiva e que pressupõe que estas entidades possam constituir objeto de censura ético-penal (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código Penal, Univer- sidade Católica Editora, 2008, p. 81). E nesse sentido, a multa aplicada a pessoa coletiva em processo penal não perde o caráter de pena criminal e o seu efeito de natureza pessoalíssima, com a consequente sujeição ao princípio consagrado naquele artigo 30.º, n.º 3, da Lei Fundamental (quanto à não inconstitucionalidade da criminalização das pessoas coletivas, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 213/95). Como refrações do princípio da pessoalidade das penas aponta-se a extinção da pena e do procedimento criminal com a morte do agente, a proibição da transmissão da pena para familiares, parentes ou terceiros e a impossibilidade de subrogação no cumprimento das penas (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4.ª edição, Coimbra, p. 504). Por outro lado, com o princípio da pes- soalidade das penas não se pretende afirmar que os efeitos das penas não possam refletir-se desfavoravelmente em relação a terceiros mas tão-só que o seu efeito direto e imediato se deve limitar à pessoa do delinquente, de forma a que, se a lei comina a aplicação de uma pena de multa para uma certa infração, somente aquele que a praticou a deve sofrer ou pagar (João Castro e Sousa, As Pessoas Coletivas em face do Direito Criminal e do chamado Direito de Mera Ordenação, Coimbra, 1985, p. 118). Proíbe-se, em suma, que a pena recaia sobre uma pessoa diferente da que praticou o facto que lhe serve de fundamento (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 337/03). Estamos perante uma transmissão de pena com o sentido definido pelo artigo 30.º, n.º 3, da Consti- tuição, quando se verifica a imputação de responsabilidade a uma certa categoria de sujeitos para suprir a inoperatividade prática da responsabilidade penal que recai sobre a pessoa coletiva. A responsabilidade solidária do administrador ou gerente pressupõe que, em momento anterior, tenha sido estabelecida a responsabilidade penal da pessoa coletiva, com a aplicação de uma multa. A determinação em concreto da medida da pena, no correspondente processo penal, tem por base fatores exclusivamente atinentes à pessoa coletiva enquanto autora da infração, e à qual são estranhas quaisquer circunstâncias que digam pessoalmente respeito ao responsável solidário, como o grau de culpa ou a sua situação económica. Certo é que constitui condição da responsabilidade solidária, nos termos do n.º 7 do artigo 8.º do RGIT, a comparticipação do gerente na prática da infração tributária, mas essa relação de causalidade, podendo originar uma responsabilidade pessoal, não tem qualquer interferência na fixação da multa aplicá- vel à pessoa coletiva. A responsabilidade solidária opera independentemente da responsabilidade pessoal do condevedor e quer a este seja ou não imputada, a título individual, a mesma infração. A norma prevê, por conseguinte, não já uma mera responsabilidade ressarcitória de natureza civil, mas uma responsabilidade sancionatória por efeito da extensão ao agente da responsabilidade penal da pessoa coletiva. Poderá dizer-se que a comunicação ao administrador ou gerente da multa aplicada à pessoa coletiva pela prática da infração corresponde a um mecanismo de garantia de pagamento do quantitativo monetário da multa, que não encerra uma censura penal, nem impede o ulterior exercício do direito de regresso contra a sociedade, nem tem para o responsável solidário outras consequências de natureza estritamente penal (cfr., neste sentido, o acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de janeiro de 2014). O ponto é que nenhuma destas considerações, a manterem validade, descaracteriza o aspeto central do regime sancionatório instituído pelo n.º 7 do artigo 8.º do RGIT. O que importa reter é que a pessoa coletiva exime-se ao cumprimento da pena através da transferência do dever de pagar a multa para o devedor solidário e o Estado exonera-se, por essa via, do exercício do jus puniendi de que é titular. O que consubstan- cia objetivamente uma transmissão de pena e põe em causa a indisponibilidade dos interesses que as reações criminais visam tutelar.

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