TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014

113 acórdão n.º 171/14 Poderá dizer-se que a razão de ser do regime legal decorre da necessidade de acautelar o pagamento das multas aplicáveis às pessoas coletivas, prevenindo a possibilidade de estas virem a ser colocadas numa situação de insuficiência patrimonial que inviabilize por motu proprio a satisfação do crédito fiscal. Ainda que essa medida seja compreensível no plano de política legislativa, e numa perspetiva utilitarista de eficácia da prevenção criminal, ela não pode justificar, por si, por via de um princípio civilístico de soli- dariedade passiva, a transferência da responsabilidade penal da pessoa coletiva para o seu administrador ou gerente. Desde logo, a multa aplicada em processo penal, como sanção de caráter público e indisponível que corresponde à ofensa de um dever jurídico estabelecido imediatamente no interesse da coletividade, como a função sancionatória ou preventiva, não pode transmudar-se num dano ou prejuízo a ressarcir no âmbito de uma responsabilidade civil, quando este instituto traduz sobretudo a ideia de reparação de um dano pri- vado – cfr. artigo 562.º do Código Civil (quanto à natureza pessoalíssima da multa enquanto pena criminal, Figueiredo Dias, Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, pp. 118-119). Por outro lado, a responsa- bilidade solidária não pode ser entendida como uma forma de responsabilidade civil emergente do crime, a que se refere o artigo 129.º do Código Penal, visto que, neste caso, a reparação do dano, ainda que arbitrada segundo os pressupostos e critérios do direito civil, é uma consequência jurídica do crime e, como tal, um efeito puramente civil da condenação penal, que apenas pode ser fundado no facto penal. Nem parece curial, contrariamente ao que por vezes se afirma, reconduzir o regime constante do n.º 7 do artigo 8.º, a uma forma de responsabilidade civil por facto próprio. A colaboração dolosa na prática do crime tributário implica que o administrador ou gerente possa ser chamado a responder pessoalmente pela mesma infração, a par da sociedade, e daí que essa conduta não possa ser tida como um facto autónomo, que determine simultaneamente a responsabilidade solidária pelas consequências jurídicas da condenação penal em que tenha incorrido a pessoa coletiva. Não estão aqui em causa quaisquer factos, anteriores ou posteriores à aplicação da multa penal, que tenham colocado a pessoa coletiva na impossibilidade de pagamento. Nem é invocável um qualquer argumento de identidade ou de maioria de razão para tornar equiparável a disciplina desse preceito à responsabilidade subsidiária a que se refere o n.º 1 do artigo 8.º (cfr., entre outros, os acór- dãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 16 de março de 2012, Processo n.º 1407/09, e do Tribunal da Relação do Porto de 2 de maio de 2012, Processo n.º 1113/06, e de 6 de junho de 202, Processo n.º 11/06, e, mais recentemente, o acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de janeiro de 2014, Processo n.º 331/04). Ainda que a obrigação solidária surja qualificada formalmente como uma obrigação de natureza civil, com subordinação aos princípios gerais da solidariedade passiva, ela não deixa de representar, na prática, uma consequência jurídica do ilícito penal que foi diretamente imputado à pessoa coletiva. Isso porque a res- ponsabilidade solidária, ainda que dependente de uma conduta dolosa do administrador ou gerente, assenta no próprio facto típico que é caracterizado como infração. Ora, a imposição de uma responsabilidade solidária a terceiro para pagamento de multas aplicadas à pes- soa coletiva, independentemente de ele poder ser corresponsabilizado como coautor ou cúmplice na prática da infração – tal como admite o n.º 7 do artigo 8.º –, configura uma situação de transmissão da responsa- bilidade penal, na medida em que é o obrigado solidário que passa a responder pelo cumprimento integral da sanção que respeita a uma outra pessoa jurídica, implicando a violação do princípio da pessoalidade das penas consignado no artigo 30.º, n.º 3, da Constituição. O princípio da responsabilidade criminal das pessoas coletivas, que começou por ser admitido em certas áreas delimitadas da criminalidade (direito criminal da economia, da saúde, da informática ou das infrações tributárias), foi consagrado como regra, relativamente a certo tipo de crimes, no direito penal de justiça, através da Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, com base num critério de imputação assente numa atuação em nome e no interesse da pessoa coletiva e que não exclui a responsabilidade individual dos respetivos agentes (artigo 11.º, n. os  2 e 7, do Código Penal). Não se trata, por isso, de uma responsabilidade por facto

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=