TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 89.º Volume \ 2014
104 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL «(…) a ilegalidade por violação de estatuto não pode ser reduzida apenas a um minus em relação à inconstitu- cionalidade, sendo sim um aliud. Isto é, trata-se de um vício resultante da violação de outro parâmetro normativo, diverso da Constituição da República – outro parâmetro esse, porém, que tem também de ser conforme à Lei Fundamental –, e cuja violação está igualmente submetida à apreciação pelo Tribunal Constitucional. Assim, a introdução de uma norma num estatuto, pelo menos quando tal norma tem natureza ou vocação “intrinseca- mente estatutária” – como é manifestamente o caso, com uma norma relativa à repartição de competências entre a assembleia legislativa e o governo regional – tem, pois, o sentido de a autonomizar enquanto parâmetro, também em relação ao parâmetro constitucional – que, porém, como todas as normas, aquele tem de respeitar –, se e na medida em que sejam de reconhecer diferenças de regime jurídico, como acontece, no presente caso, relativamente à legitimidade para desencadear o processo de reconhecimento da sua violação. A redução da inserção de uma norma como parâmetro estatutário, mesmo quando ela coincide com uma norma constitucional, a mera “inserção formal” deixa, pois, escapar o essencial, ou seja, a autónoma força paramétrica de uma norma justamente enquanto norma (no caso, aliás, também “com vocação”) estatutária.» Este entendimento mereceu, posteriormente, acolhimento no Acórdão n.º 645/13, onde se afirmou, quanto à legitimidade para requerer a apreciação da ilegalidade de normas do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira por confronto com o artigo 58.º do EPARAM, por se tratar de norma estatutária relativa ao modo de organização do poder político autonómico: «(…) Sendo assim, é aqui de resolução imperativa a questão, acima enunciada (…), relativa à legitimidade dos requerentes. A este propósito, são duas as posições já manifestadas na jurisprudência deste Tribunal. A primeira apontaria para que fosse negada aos requerentes legitimidade para o pedido de declaração da ile- galidade com fundamento na violação do artigo 58.º do EPARAM, sob o argumento de que o reconhecimento dessa legitimidade implicaria a aceitação de que, por efeito da sua reprodução no Estatuto, o princípio da respon- sabilidade política do Governo Regional perante a Assembleia Legislativa Regional, consagrado no n.º 3 do artigo 231.º da Constituição, passasse a poder intervir no controlo de validade das normas impugnadas como parâmetro de mera legalidade, abrindo-se com isso ao legislador ordinário a possibilidade de, através da reprodução das nor- mas constitucionais nos estatutos político-administrativos das regiões autónomas, modificar o resultado do fun- cionamento das regras de legitimidade definidas pelo legislador constitucional no âmbito da fiscalização abstrata sucessiva. Dessa forma, passaria a ser invocável um parâmetro de invalidação materialmente constitucional, sem dependência da verificação de uma qualquer “violação dos direitos das regiões autónomas” [cfr. artigo 281.º, n.º 2, alínea h) , da Constituição]. A esta perspetiva, outra se pode opor. Conforme resulta do voto de vencido aposto ao referido Acórdão n.º 198/00, poder-se-á considerar que, para além dos elementos literal e histórico subjacentes ao artigo 281.º, n.º 2, alínea h) , da Constituição, aponta para uma interpretação contrária ao entendimento ali maioritariamente sufragado um argumento retirado da “consi- deração da autonomia da força paramétrica do estatuto regional em relação à da Constituição – embora evidente- mente submetido aquele a esta”. De acordo com tal perspetiva, uma vez que “a ilegalidade por violação de estatuto não pode ser reduzida apenas a um minus em relação à inconstitucionalidade, sendo sim um aliud ”, a «introdução de uma norma num estatuto, pelo menos quando tal norma tem natureza ou vocação “intrinsecamente estatutária” (…), tem (…) o sentido de a autonomizar enquanto parâmetro, também em relação ao parâmetro constitucio- nal – que, porém, como todas as normas, aquele tem de respeitar –, se e na medida em que sejam de reconhecer diferenças de regime jurídico (…) relativamente à legitimidade para desencadear o processo de reconhecimento da sua violação», não ocorrendo, além do mais, qualquer defraudação da “limitação de legitimidade para invocar a inconstitucionalidade (…) através da reprodução de normas constitucionais nos estatutos das regiões autónomas”
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