TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
97 acórdão n.º 474/13 “morte jurídica” do vínculo público, em especial quanto àqueles que adquiriram vínculo de nomeação defini- tiva, sempre imune à cessação da relação laboral por razões objetivas. Essa dimensão de segurança do estatuto de todos esses trabalhadores permaneceu inalterada ao longo de diversas e sucessivas reformas administrativas e do crescimento do número de efetivos na Administração Pública, trajetória que se registou igualmente em outros países da OCDE (cfr. Carla Miguel Gouveia, Cartografia dos recursos humanos na Administração Pública portuguesa, AAVV, Interesse Público, Estado e Administração , 2007, pp. 69 e segs.). A reforma operada em 2008 e a peça central em que se ancorou – a Lei n.º 12-A/2008, de 27 de feve- reiro – deixou imodificado esse elemento nuclear. Fê-lo relativamente aos trabalhadores que continuaram com vínculo de nomeação definitiva, através da inscrição no artigo 32.º da referida Lei da possibilidade do empregador cessar unilateralmente a relação jurídica de emprego público apenas por causas subjetivas; fê-lo também relativamente àqueles que, até então nomeados definitivamente, viram esse vínculo transferido para vínculo contratual por tempo indeterminado, através da norma de salvaguarda do n.º 4 do artigo 88.º A pesquisa nos trabalhos preparatórios da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, depara invariavelmente com sinais da reafirmação pelo Estado de que, apesar da mutação do vínculo, no reduto mais fundo da pro- teção do direito à segurança no emprego – cessação da relação laboral por causas objetivas, independentes do seu comportamento – aquele grupo de trabalhadores foi visto pelo Estado como permanecendo sujeito ao regime dos trabalhadores com vínculo de nomeação. A sua génese encontra-se na Resolução do Conselho de Ministros n.º 109/2005 ( Diário da República , I Série-B, de 30 de junho, pp. 4053 e 4054), na qual, ao mesmo tempo em que se refere a “gravidade da situa- ção em matéria de finanças públicas”, a carência de “medidas urgentes de contenção da despesa no âmbito da Administração Pública”, o “excessivo peso estrutural da Administração Pública” e a necessidade de “redução global de efetivos da Administração Pública”, se determina a revisão do sistema de carreiras e remunerações dos funcionários públicos e dos demais servidores do Estado, tendo como princípio, entre outros, “reservar tendencialmente o regime público de carreira para as funções relacionadas com o exercício de poderes sobe- ranos e de poderes de autoridade” [ponto 1, alínea g) ]. Seguiu-se a apresentação, em 2006, do relatório final da Comissão para a Revisão do Sistema de Car- reiras e Remunerações da Função Pública, de cujo sumário executivo constam os items de ponderação do âmbito de aplicação da reforma. Entre eles, encontra-se: “ bb) A aplicação apenas aos novos trabalhadores reduz drasticamente o alcance da reforma, uma vez que não é previsível que as admissões venham a cifrar- -se em valores elevados nos próximos anos”. Mas, logo se segue a reserva: “ cc) Um âmbito de aplicação mais amplo implica que se encontre no quadro constitucional uma solução que concilie as expectativas legítimas e exigências de interesse público” (documento acessível e m www.dgaep.gov.pt ) . Esse processo culminou na Proposta de Lei n.º 152/X e na Proposta de Lei n.º 189/X (esta na sequência de processo de fiscalização preventiva apreciado no Acórdão n.º 620/07). Qualquer delas contém norma de salvaguarda da aplicação das causas de cessação da relação de emprego público correspondentes ao vínculo de nomeação definitiva dos trabalhadores que transitavam de vínculo. Acresce que, em sede de apreciação parlamentar, sempre a norma que veio a constar do n.º 4 do artigo 88.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de feve- reiro, foi isenta de crítica, ou de proposta de alteração que contrariasse o seu sentido. Na aferição da intenção do legislador, destaca-se a afirmação do então Ministro de Estado e das Finanças em sede de apreciação na generalidade: “O novo regime do contrato em funções públicas só será aplicado ou àqueles que já estão agora em contrato individual de trabalho ou a novos trabalhadores que ingressem na Administração já à luz deste diploma e, nesse sentido, não são defraudadas as expectativas de nenhum dos actuais membros da Adminis- tração Pública” (cfr. Diário da Assembleia da República, I-A, n.º 108/X, de 20 de julho de 2007). Neste panorama, mostra-se seguro reconhecer que os trabalhadores a que a norma de salvaguarda se refe- riu criaram expectativas fundadas em comportamento positivado do Estado, no sentido da continuidade do respetivo estatuto quanto às causas de cessação da relação de emprego público, podendo ser despedidos nos mesmos termos daqueles que, com eles, haviam partilhado até então o estatuto correspondente ao vínculo
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