TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
95 acórdão n.º 474/13 Com efeito, culminando uma nova fase do impulso de laboralização do regime de emprego na Admi- nistração Pública, como se disse supra, os trabalhadores que contavam com vínculo de nomeação definitiva no momento da entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, viram a sua relação de emprego público convertida em relação contratual por efeito desse diploma. Preservaram, porém, o regime de mobi- lidade e de cessação da relação laboral nos mesmos termos da condição dos trabalhadores com vínculo de nomeação, por força da norma do n.º 4 do artigo 88.º da Lei n.º 12-A/2008, 27 de fevereiro, do que deriva um estatuto misto para esse grupo de trabalhadores: regido pelas mesmas regras dos demais trabalhadores em regime de contrato de trabalho em funções públicas; parcialmente integrado pelas regras dos trabalhadores com vínculo de nomeação definitiva, sem qualquer cristalização ou paragem no tempo, pois as modificações supervenientes operadas nesses domínios estatutários do vínculo de nomeação definitiva refletem-se igual- mente naquele grupo de trabalhadores. As razões para esse estatuto misto foram atribuídas à vontade do legislador de 2008 de salvaguardar o núcleo essencial do estatuto jurídico-laboral desses trabalhadores, de que o regime de cessação da relação de emprego constitui elemento identificativo principal (assim, Ana Fernanda Neves, O direito da função pública , cit., p. 537. A Autora atribui essa salvaguarda ao respeito pelo princípio da proteção da confiança). Não escapa, contudo, a críticas por estabelecer disparidades entre trabalhadores com vínculo contratual suscetí- veis de violar o princípio da igualdade (cfr. Miguel Lucas Pires, ob. cit. , p. 118). Ora, com a normação em questão, essa norma de salvaguarda desaparece, o que significa que os tra- balhadores com vínculo de nomeação no momento da entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, passam a estar sujeitos às causas de cessação da relação laboral dos trabalhadores contratados, mormente à causa objetiva de cessação contida nos preceitos conjugados do n.º 1 do artigo 4.º e do n.º 2 do artigo 18.º, ambos do Decreto n.º 177/XII. 15. A jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre o princípio da confiança encontra-se sobretudo sedimentada em casos, como o presente, em que trata de sindicar a conformidade constitucional de normas retrospetivas, ou seja, de lei nova que se aplica a factos novos, ocorrendo anteriormente facto ou factos que criavam expectativas jurídicas, com especial destaque para o Acórdão n.º 287/90. Dele se retira que as situações de retrospetividade ou retroatividade inautêntica seriam tuteladas à luz do princípio da confiança, enquanto decorrência do princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição. Esse princípio postula “uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e segurança jurídica nos direitos das pessoas e nas suas expectativas juridicamente criadas e, consequentemente, a confiança dos cidadãos e da comunidade na tutela jurídica” (Acórdão n.º 237/98). O que, porém, não posterga a liberdade de confor- mação do legislador democraticamente legitimado e a autorevisibilidade das leis, pelo que “não há (…) um direito à não-frustração de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime em relação a relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados” (Acórdão n.º 287/90). A ideia de arbitrariedade ou de excessiva onerosidade que o princípio da confiança tutela, enquanto vertente da segurança jurídica, tem sido operada pelo Tribunal Constitucional por referência a dois pressu- postos essenciais: a) a afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma muta- ção da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possa contar; e ainda b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da propor- cionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição).
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