TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
686 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O que se prevê no n.º 2 do primeiro dos citados normativos legais, em coerência sistémica, é que «a lei pode condicionar a afixação ou instalação de (…) anúncios ou de cartazes, qualquer que seja a sua natureza e conteúdos, nos centros históricos e outros conjuntos urbanos legalmente reconhecidos, bem como nos locais onde possa prejudicar a perspetiva dos imóveis classificados», não decorrendo, por outro lado, dos restantes preceitos legais invocados incontroversos subsídios interpretativos nesta matéria. Fora das hipóteses de proibição absoluta, como as previstas no referido n.º 3 do artigo 4.º da Lei n.º 97/98, impor-se-á, sempre, pois, a avaliação casuística da cada dispositivo de propaganda eleitoral ins- talado, em ordem a apurar se, no caso concreto, o exercício da atividade de propaganda particularmente desenvolvido compromete ou prejudica, em termos relevantes, os valores tutelados pelas diversas hipóteses normativas constantes do n.º 1 do citado preceito legal. Ora, no caso vertente, decorre dos autos que o partido socialista procedeu à identificação da sua sede de campanha num armazém situado junto de um aqueduto e à colocação de um outdoor em edifício privado, em termos que melhor constam de fls. 9 e 12, ambos situados em zona externa à cintura muralhada. Dessa factualidade não decorre, contudo, qualquer indício que permita sustentadamente considerar que, desse modo, se causou prejuízo à «beleza ou enquadramento de monumentos nacionais, de edifícios de interesse público ou outros suscetíveis de ser classificados pelas entidades públicas». Acresce que, não se questionando o relevo cultural da Vila de Óbidos, confirmado pelos sucessivos atos de reconhecimento, proteção e valorização que a visaram, no âmbito da defesa do património cultural, o certo é que qualquer decisão que vede, em absoluto, o exercício da liberdade de propaganda política, pelos meios ora em discussão – que não se afiguram, só por si, suscetíveis de causar ofensa aos correspondentes valores – configura uma restrição desnecessária e desproporcional a um direito fundamental (liberdade de expressão e propaganda política), assumindo um efeito prático verdadeiramente ablativo que afeta o núcleo essencial de um tal direito, incompatível com a sua particular fisionomia jusconstitucional. Como salientou o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 636/95, o direito de expressão, sobre- tudo quando se assume como meio de expressão de mensagem política (propaganda política), «apresenta uma dimensão essencial de defesa ou liberdade negativa: é, desde logo, um direito ao não impedimento de ações, uma posição subjetiva fundamental que reclama espaços de decisão livres de interferências, estaduais ou privadas». Mas, por outro lado, assume, ainda, uma inquestionável «dimensão funcional ou institucional que o liga aos desafios de legitimidade-legitimação da ordem constitucional-democrática». Como se con- clui no citado acórdão, «[a] liberdade de expressão (e a de propaganda política que nela se radica) constitui mesmo um momento paradigmático de afirmação do duplo caráter dos direitos fundamentais, de direitos subjetivos e de elementos fundamentantes de ordem objetiva da comunidade. (…) Elementos constitutivos desta ordem, como a legitimação do domínio político através de um processo de escolha livre e aberto, igual oportunidade das minorias de acesso a esse domínio e a pluralidade crítica de uma ‘opinião pública racio- nante’, recebem em grande medida o seu conteúdo da normação do direito fundamental de liberdade de expressão». A deliberação recorrida, na parte em que ordenou a abstenção de remoção e/ou reposição dos dispositi- vos de propaganda eleitoral em causa nos presentes autos, não padece, pois, dos vícios de ilegalidade que lhe são apontados pelo recorrente, não implicando, pois, em face da (escassa) matéria de facto apurada, violação dos invocados dispositivos legais e dos valores de defesa do património cultural que eles pretendem acautelar. Do mesmo modo, decorrendo do edital da Câmara Municipal que «o local destinado a afixação de propaganda eleitoral será nos placares colocados exclusivamente para o efeito, junto à Porta da Vila » (itálico nosso), afigura-se justificada e legal a ordem de clarificação do respetivo teor no sentido de que tais locais se assumem como adicionais e não exclusivos, sendo, pois, transponíveis, também para este segmento decisório, as razões de direito antes invocadas para justificar a improcedência do pedido de invalidação da deliberação da CNE recorrida.
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