TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
618 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL a pedido das partes, a conveniência de alterar o efeito-regra do recurso quando da execução provisória da decisão possa resultar para o recorrente um prejuízo considerável. Tendo em conta que o deferimento da providência cautelar comporta já a prova sumária do risco de ocorrência de uma lesão do direito que os requerentes pretendem fazer valer na ação principal ( periculum in mora ), a alteração do efeito do recurso depende de adequada ponderação dos interesses em presença, havendo de atribuir-se um efeito suspensivo quando se deva concluir que a execução provisória da sentença causaria à parte vencida prejuízos ainda mais gravosos do que aqueles que poderiam resultar, para a parte vencedora, da atribuição ao recurso de um efeito meramente devolutivo. E parece ser o caso quando a manutenção do efeito devolutivo origina uma situação de facto consu- mado, determinando, por força da aplicação dos prazos legalmente definidos para a apresentação de candi- daturas às eleições autárquicas e da dilação necessariamente decorrente da tramitação processual do recurso de constitucionalidade, que o requerido C. fique impedido, de modo irreversível, de se submeter a sufrágio e que os partidos políticos fiquem também impossibilitados de apresentarem essa candidatura. De facto, tendo sido designado o dia 29 de setembro para a realização das eleições gerais para as autar- quias locais, e devendo as listas ser apresentadas perante o juiz do tribunal da comarca competente até ao 55.º dia anterior à data do ato eleitoral [artigo 20.º, n.º 1, da Lei Eleitoral para os Órgãos das Autarquias Locais (LEOAL)], a apresentação da lista teria de ocorrer até ao próximo dia 5 de agosto. E por efeito do cumprimento das formalidades normais do recurso de constitucionalidade – ainda que se fixe para as alega- ções o prazo mínimo de 10 dias aplicável aos processos urgentes –, nunca seria possível obter em tempo útil uma decisão final do processo que, implicando a reforma do julgado quanto à matéria de constitucionalidade – em caso de procedência do recurso –permitisse aos requeridos exercer o respetivo direito de participação política. Significando que o processo cautelar iria produzir o efeito definitivo que só poderia ser alcançado por via da ação principal, tornando inútil o prosseguimento desta ação e retirando-lhe qualquer efeito prático. E nem se vê que o interesse que os requerentes pretendem antecipar por via da providência cautelar seja prevalecente sobre o dos recorrentes. Todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direção dos assuntos políticos do país, o que implica a participação nos órgãos do poder político constituídos por eleição (artigos 48.º, n.º 1, e 50.º, n.º 1, da Constituição), e ainda que no acesso a cargos eletivos possam ser estabelecidas as inelegibilida- des necessárias para garantir a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do exercício do cargo (artigo 50.º, n.º 3), é a própria lei que regula que o ato eleitoral que assegura o controlo contencioso da regularidade do processo, permitindo a rejeição dos candidatos inelegíveis através de decisão judicial passível de recurso para o Tribunal Constitucional (artigos 25.º, 27.º, 29.º e 31.º da LEOAL). E também os partidos políticos, como expressão da liberdade de associação dos cidadãos, são diretos titulares de direitos políticos, que incluem, desde logo, o direito de apresentação de candidaturas, isolada- mente ou em coligação, e mesmo no que se refere às eleições dos órgãos autárquicos (artigos 51.º, n.º 1, 151.º, n.º 1, e 239.º, n.º 4, da Constituição), sendo que a própria Lei Fundamental reconhece aos partidos políticos uma posição constitucional de centralidade para a formação da vontade popular e para a organiza- ção do poder político. Em contraposição, é muito discutível que os cidadãos em geral e quaisquer associações defensoras de interesses protegidos pela lei possam invocar um interesse difuso relacionado com a primazia da lei e o prin- cípio da legalidade para impedir por via de uma ação popular o exercício de direitos de participação política. Esses são desde logo princípios estruturantes da República Portuguesa, que se encontram constitucio- nalmente consagrados (artigo 3.º, n.º 2), e se traduzem, no essencial, na exigência de aplicação da lei pela administração e pelos tribunais e na proibição de a administração e os tribunais atuarem ou decidirem con- tra a lei (artigos 203.º e 266.º da Constituição). Trata-se, por isso, de critérios de juridicidade que regem o Estado e as autoridades públicas e que, ainda que respeitem à comunidade globalmente considerada, não podem ser objeto de apropriação individual por grupos indiferenciados de cidadãos.
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