TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013

586 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL patrimoniais, corresponda sempre à coincidência entre o vínculo jurídico e o biológico. Esse interesse, quando exista, é, aliás, suscetível de ser autonomamente exercitado, pois ao filho é reconhecida legitimidade própria para impugnar [alínea c) do n.º 1 do artigo 1842.º]». O direito à identidade pessoal do próprio filho pesa, de facto, no sentido da «proteção da verdade esta- belecida pelo Direito, como forma de preservação de uma certa representação do ‘eu’ [perante si mesmo e perante os outros] que não pode ficar permanentemente sob ‘condição resolutiva’» (declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 589/07). Ao estabelecimento do prazo em questão é associada a «vantagem de tutelar os interesses do próprio filho em não ver indefinidamente pendente o risco de afastamento da presunção legal de paternidade» (Acórdão n.º 609/07). Em suma, a imprescritibilidade da ação de impugnação da paternidade presumida do marido não é imposta pelo direito à identidade pessoal da mãe. O interesse da proteção da família constituída (artigo 67.º da CRP) e o direito à identidade pessoal do próprio filho (artigo 26.º, n.º 1, da CRP) pesam no sentido da estabilização do vínculo paterno-filial após o decurso de um certo prazo, em que é dada à mãe a oportu- nidade de o contrariar (impugnando a paternidade presumida e, antes disso, obstando a que constasse do registo de nascimento). Do ponto de vista daquele interesse e deste direito é até de concluir que a mãe tem o dever de esclarecer rapidamente a situação familiar em causa (referem este dever, a par da possibilidade que é dada à mãe de esclarecer rapidamente a situação familiar, Pereira Coelho/Guilherme de Oliveira, ob. cit. , pp. 137 e segs., por referência ao prazo de três anos contados a partir do nascimento). 8. O estabelecimento de um prazo tem, porém, como consequência, uma vez expirado, que da mãe se continue a afirmar (sem possibilidade ulterior de esta repor a verdade) que o pai do filho é o marido, quando tal pode não corresponder à verdade ou não lhe corresponder mesmo, pelo que, em si mesmo, traduz-se, de facto, na afetação negativa de uma posição jurídica subjetiva que a CRP tutela no artigo 26.º, n.º 1. Não se trata, porém, de uma afetação desnecessária à salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegidos, face ao direito à identidade pessoal do próprio filho e ao interesse da proteção da família consti- tuída (artigos 26.º, n.º 1, 67.º e 18.º, n.º 2, da CRP). O Tribunal já se pronunciou sobre o prazo legalmente estabelecido para o pai intentar ação de impug- nação da paternidade presumida [artigo 1842.º, n.º 1, alínea a) , do CC] e entendeu que o prazo então pre- visto (dois anos contados desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade) e o agora vigente (três anos contados desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade) «parece ser um prazo razoável e adequado à ponderação do interesse acerca do exercício do direito de impugnar e que permitirá avaliar todos os fatores que podem condicionar a decisão», um prazo «suficiente para garantir a viabilidade prática do exercício do direito de impugnar a pater- nidade, não o impedindo ou dificultando gravemente». E concluiu, por isso, que «não parece que a fixação de um prazo de caducidade para a impugnação de paternidade pelo pai presumido, nos termos em que se encontra previsto na referida norma do artigo 1842.º, n.º 1, alínea a) , do Código Civil, represente uma into- lerável restrição (…), quando é certo que a preclusão do exercício do direito de impugnar pode justamente ter correspondido a uma opção que o interessado considerou ser em dado momento mais consentâneo com o seu interesse concreto e o seu condicionalismo de vida» (Acórdãos n. os 589/07 e 446/10). Considerando os prazos previstos nos artigos 1817.º, n.º 1, e 1842.º, n.º 1, alínea c) , do CC, o Tribunal entendeu que a afetação do direito à identidade pessoal do pai presumido não é valorativamente equiparável à que está em causa na investigação e na impugnação da paternidade por parte do filho (cfr. supra ponto 3. da Fundamentação). A afetação do direito à identidade pessoal da mãe, decorrente do estabelecimento de um prazo, também não é valorativamente equiparável à que está em causa na investigação e na impugnação da paternidade por parte do filho. Mas também não é totalmente equiparável à afetação do direito à iden- tidade pessoal do pai presumido, uma vez que, diferentemente do que sucede na ação de impugnação da paternidade presumida intentada pelo pai, na ação intentada pela mãe a autora surge na veste de terceiro

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