TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013

585 acórdão n.º 441/13 É naquela dimensão do direito à identidade pessoal que se esteia a legitimidade ativa da mãe para intentar ação de impugnação da paternidade presumida, quando tem razões para duvidar da existência de um vínculo biológico entre o marido e o filho ou quando sabe da inexistência de um tal vínculo. E note-se que, neste domínio dos vínculos de filiação, o direito à verdade pessoal não tem apenas o sentido de fazer reconhecer juridicamente (e também socialmente) quem não é pai do filho, obstando a que se afirme que o filho tem como pai o marido da mãe. O direito à verdade pessoal envolve também uma dimensão relacional específica que o concretiza como direito à verdade perante o filho quanto ao vínculo familiar que os une. 7. É o direito fundamental à identidade pessoal da mãe o direito que deve ser ponderado como outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos no juízo sobre a conformidade constitucional da norma que estabelece um prazo de caducidade do direito de impugnar a paternidade presumida do marido. É a identificação destes outros direitos ou interesses que poderá legitimar o estabelecimento de um prazo para a mãe intentar a ação de impugnação. Embora quanto ao prazo que o marido da mãe tem para intentar a ação de impugnação da paternidade [artigo 1842.º. n.º 1, alínea a) , do CC], o Acórdão n.º 589/07 salientou o interesse da proteção da família constituída, o qual é também invocável no juízo de ponderação que a norma em apreciação convoca: «É esse interesse que explica que um terceiro (pretenso progenitor) não tenha legitimidade ex novo para afastar a presunção de paternidade do marido da mãe e obter o reconhecimento da sua paternidade, e só possa intervir processualmente através do Ministério Público (mediante requerimento que lhe deverá ser apresentado em prazo muito curto) e depois de previamente reconhecida a viabilidade do pedido (artigo 1841.º do Código Civil). O direito de impugnação da paternidade está, assim, apenas, na disponibilidade direta dos membros da família, no sentido de que só o marido, a mãe e o filho é que se encontram autonomamente legitimados a intentar a ação. E não está, por isso, excluído que a situação de discrepância entre a paternidade presumida e a realidade biológica se mantenha sempre que não haja interesse concreto por parte dos interessados na destruição da paternidade pre- sumida». E mais se acrescentou, no Acórdão n.º 446/10, com relevo para os presentes autos: «Mas não são apenas interesses gerais ou valores de organização social, em torno da instituição familiar, que podem justificar a consolidação definitiva, na ordem jurídica, a partir de determinado limite temporal, de uma paternidade não correspondente à realidade biológica. Também quanto às posições subjetivas em jogo, na ação de impugnação de paternidade se deteta uma relevante diferença em relação às que se confrontam numa ação de investigação de paternidade. Nesta, o eventual interesse do investigado em não assumir um vínculo de paternidade correspondente à realidade biológica não é merecedor de tutela, pelo menos do ponto de vista do direito à identidade pessoal e à auto-conformação da personalidade, não devendo se reconhecida “uma faculdade de o pai biológico se eximir à responsabilidade jurídica correspondente” (Guilherme de Oliveira, “Caducidade das ações de investigação”. Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito de Família, 2004, pp. 7 segs., 11). Já o eventual interesse daquele que é tido como filho em manter esse estatuto não pode ser inteiramente desconsiderado (como seria com um regime de imprescritibilidade). Sobretudo quando o vínculo jurídico tem tradução consistente no “mundo da vida” familiar e social, gerando, como é normal, laços afetivos, a destruição retrospetiva desse vínculo acarreta (ou agrava) a perda de sentido de uma componente nuclear da memória e da historicidade pessoais, da auto-representação de si, por parte de quem é filho. Valores também situados na esfera da identidade pessoal podem ser invocados em tutela do interesse do outro sujeito da relação paterno-filial em ver como definitivamente adquirido o estatuto de que goza, após o decurso de um certo prazo em que o pai teve efetiva oportunidade de o impugnar judicialmente. Outros fatores de identidade pessoal podem sobrepor-se, na ótica do filho, aos de ordem genética, não podendo ser dado por seguro que o seu interesse, mesmo excluindo dimensões

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