TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013

584 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ação de impugnação da paternidade presumida do marido, não pode invocar-se o direito à identidade pessoal do filho (artigo 26.º, n.º 1, da CRP), como obstáculo à caducidade desta ação, tal como faz a decisão recor- rida. O filho é, ele próprio, um dos sujeitos a quem a lei confere legitimidade para impugnar a paternidade presumida do marido na mãe – artigo 1842.º, n.º 1, alínea c) , do CC –, diferentemente do que sucedia antes de o CC ser revisto em 1977, altura em que só o marido tinha legitimidade ativa (artigo 1818.º). A questão está, pois, em saber se, à semelhança do que sucede relativamente ao marido da mãe, é aqui invocável um direito fundamental à identidade pessoal da mãe (artigo 26.º, n.º 1, da CRP). E se, reconhe- cido este direito constitucionalmente protegido, dele decorre a imprescritibilidade da ação de impugnação da paternidade presumida do marido e, em caso de resposta negativa, se dele decorre a desconformidade constitucional da norma que estabelece o prazo de três anos a partir do nascimento do filho. 5. A decisão recorrida, não deixa de invocar um direito próprio da mãe à verdade biológica quanto à paternidade (presumida) do então seu marido. E não há dúvida de que, no plano legal, é de afirmar um tal direito da mãe. Contrastando com o direito passado, a mãe tem hoje legitimidade para intentar ação de impugnação da paternidade presumida [artigos 1826.º, n.º 1, e 1842.º, n.º 1, alínea b) , do CC], além de que pode fazer a declaração do nascimento com a indicação de que o filho não é do marido, o que faz cessar a presunção de paternidade, cuja menção não é efetuada no registo, podendo, desde logo, ser aceite o reconhecimento voluntário da paternidade (artigos 1832.º, n. os 1, 2 e 3, do CC e 119.º, n.º 1, do Código do Registo Civil). Foi a reforma de 1977 que alargou o âmbito das pessoas com legitimidade para impugnar a paternidade presumida (ao filho e à mãe), até então conferida exclusivamente ao marido. A impugnação da paternidade do marido «era a prova viva de um adultério da mulher, a expressão acabada de uma violação das normas matrimoniais e, ainda por cima, remetia o filho para a condição jurídica desvalorizada de filho ‘ilegítimo’» (Pereira Coelho/Guilherme de Oliveira, ob. cit. , p. 122). Entre outras razões, o princípio da igualdade jurí- dica dos cônjuges (artigo 36.º, n.º 3, da CRP) impôs que fosse reconhecida também à mãe legitimidade ativa, devendo afirmar-se que «a mãe do filho cuja paternidade se trata tem um interesse pessoal e autónomo, que se não confunde com o interesse do marido, do filho ou do pai natural, em ver corrigida uma atribuição de paternidade falsa. Não é, obviamente, a mesma coisa gerar um filho por obra deste ou daquele indivíduo. Esta consideração simples mostra que pode ser muito importante para a mulher a declaração jurídica e social de que o seu filho não foi gerado por obra do indivíduo que é seu cônjuge» (Pereira Coelho/Guilherme de Oliveira, ob. cit. , pp. 124 e segs.). Para trás ficou o tempo em que à mãe do filho de cuja legitimidade se tratasse era apenas permitido requerer ao Ministério Público a impugnação oficiosa, possibilidade que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 280/73, de 1 de junho (artigo único, n.º 2), já que o marido nem sempre impugnava a paternidade presumida e o pai natural, frequentemente, não requeria ao Ministério Público a impugnação. E embora se possa afirmar que a alteração legislativa veio, de certa forma, dar satisfação aos interesses da mãe, a verdade é que a ela não foram alheios os interesses do filho, uma vez que a este não era então reconhecida legitimidade ativa para impugnar a paternidade. 6. O direito da mãe a ver juridicamente (e também socialmente) reconhecido que não é pai do filho, nascido e concebido na constância do matrimónio, quem a lei presume (artigo 1826.º, n.º 1, do CC) inte- gra-se no âmbito de proteção do direito fundamental à identidade pessoal que o artigo 26.º, n.º 1, da CRP a todos reconhece. Este direito abrange um direito à historicidade pessoal, um direito ao conhecimento e ao reconhecimento da identidade dos progenitores, mas compreende também um «direito à verdade pessoal», no sentido de que «da pessoa não se afirme o que não seja verdade, mesmo que honroso» [cfr. Orlando de Carvalho, “Para uma teoria da pessoa humana (reflexões para uma desmitificação necessária)”, in Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 2012, p. 266 e, especificamente, nota 170. Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, 2010, anotação ao artigo 26.º, ponto V, não deixam de afirmar que «o direito à identidade pessoal postula um princípio de verdade pessoal»].

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