TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013

582 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da paternidade. O “respeito pela verdade biológica sugere a imprescritibilidade não só do direito de inves- tigar como o de impugnar, tratando-se, pois, tanto num caso como no outro, de estabelecer a paternidade biológica”. Apesar da referência ao direito de constituir família, plasmado no artigo 36.º, n.º 1, da CRP, e do reco- nhecimento de um direito próprio da mãe à verdade biológica quanto à paternidade (presumida) do então seu marido, a questão de constitucionalidade que é, desde logo, posta pela decisão recorrida é a de saber se a norma do artigo 1842.º, n.º 1, alínea b) , do CC viola o direito à identidade do filho (artigo 26.º, n.º 1, da CRP), por tal direito não ser compatível com o estabelecimento de uma qualquer limitação temporal para o exercício do direito de impugnar a paternidade. 3. É hoje incontestável que «a matéria da determinação jurídica da filiação tem estado, nas últimas déca- das, sob revisão, assumindo hoje o respeito pela verdade biológica um peso de ponderação muito superior ao que, no passado, lhe era atribuído. Esse acréscimo de valorização prescritiva foi fruto da ação conjugada de dois fatores, de natureza diferenciada: por um lado, a possibilidade, que o avanço científico propiciou, da identificação segura, não só negativa como positiva, do vínculo de sangue, através de prova pericial (reti- rando, assim, praticamente, todo o valor ao tradicional argumento do enfraquecimento das provas com o decurso do tempo); por outro, uma forte acentuação, na ordem jurídico-constitucional e na consciência coletiva, de valores da personalidade, entre os quais avultam os ancorados nos direitos à identidade pessoal e ao livre desenvolvimento da personalidade». E é incontestável, também, que «esta linha evolutiva teve reper- cussões claras na jurisprudência deste Tribunal, quanto à apreciação dos prazos de caducidade para as ações de investigação de paternidade. De facto, contrariando sucessivas pronúncias no sentido de que eles não vio- lavam qualquer parâmetro constitucional – cfr. os Acórdãos n. os 99/88, 413/89, 451/89, 311/95, 506/99 e 525/03 – o Acórdão n.º 456/03 julgou inconstitucional o artigo 1817.º, n.º 2, na medida em que estabelecia um prazo para o filho intentar a ação de investigação assente em factos puramente objetivos. Posteriormente, o Acórdão n.º 486/04 julgou inconstitucional o regime geral do n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil. Este juízo foi confirmado, em Plenário, pelo Acórdão n.º 11/05. O Acórdão n.º 23/06 proferiu declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, aplicável ex vi do artigo 1873.º, conquanto nela se estabelecia a extinção, por caducidade, do direito de investigar a paternidade em regra a partir dos 20 anos de idade do filho» (Acórdão do Tribunal Constitu- cional n.º 446/10, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) . Por seu turno, o legislador alterou os prazos para a propositura da ação de investigação e de impugnação da paternidade e o respetivo regime de contagem (artigos 1817.º e 1842.º do CC) através da Lei n.º 13/2009, de 1 de abril. No âmbito do direito da filiação foi-se firmando e é hoje por todos reconhecido o princípio da verdade biológica, «princípio de ordem pública do Direito da Filiação» que «exprime a ideia de que o sistema de ‘estabelecimento da filiação’ pretende que os vínculos biológicos tenham uma tradução jurídica fiel, isto é, pretende que a mãe juridicamente reconhecida e pai juridicamente reconhecido sejam realmente os proge- nitores, os pais biológicos do filho» (Pereira Coelho/Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, vol. II, tomo I, Coimbra Editora, 2006, p. 52). Trata-se de um princípio estruturante de todo o sistema legal, ao qual não é, porém, reconhecida dignidade constitucional autónoma, não podendo fundamentar, por si só, um juízo de inconstitucionalidade (na conclusão, autores e local citados e Acórdãos do Tribunal Constitu- cional n. os 589/07 e 446/10, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) . Este entendimento revela-se na jurisprudência constitucional, quer relativamente a norma que fixe um prazo de propositura de ação de investigação da paternidade quer quanto à que fixe um prazo de propositura de ação de impugnação da paternidade, devendo salientar-se, contrariamente ao que decorre da decisão recorrida, «o facto de o Tribunal nunca ter assumido que a imprescritibilidade é o único regime constitu- cionalmente conforme» (Acórdão n.º 446/10). As decisões foram sendo tomadas considerando apenas um prazo concretamente estabelecido e/ou o seu modo de contagem (Acórdão n.º 23/06, tirado em Plenário, em matéria de investigação da paternidade; e Acórdãos n. os 609/07 e 279/08, no âmbito de ação de ­impugnação

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