TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013

579 acórdão n.º 441/13 bem um caso que ilustra que a vida flui como areia por entre os dedos da lei. O que hoje causaria mais alarme social, quando os testes de ADN são de fácil acesso, mesmo fora do âmbito da Justiça, é que esta fosse incapaz de reconduzir sua verdade à verdade dos genes que de todos pode ser conhecida. Tratar-se-á de uma nova ética, mas, no fundo, reconduz-se à ética primordial do primado da família ou comunidade natural. E isto sobreleva perante o escândalo de uma situação familiar com, porventura, dezenas de anos vir a ser abalada, por uma impugnação, que, pelo que já consignámos, nunca deve ser considerada tardia”. Salienta-se também a seguinte referência feita naquele Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de julho de 2009 – “a valorização dos direitos fundamentais da pessoa, como o de saber quem é e de onde vem, na vertente da ascendência genética, e a inerente força redutora da verdade biológica fazem-na prevalecer sobre os prazos de caducidade para as ações de estabelecimento da filiação”. E, sobre a imprescritibilidade das ações de filiação, a propósito da caducidade do direito a investigar, dizem Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira in Curso de Direito de Família, vol. II, tomo I, 2006, p. 139, que os tempos correm a seu favor, afirmando que: “não tem sentido, hoje, acentuar o argumento do enfraquecimento das provas, e não pode atribuir-se o relevo antigo à ideia de insegurança prolongada, porque este prejuízo tem de ser confrontado com o mérito do interesse e do direito de impugnar a todo o tempo, ele próprio tributário da tutela dos direitos fundamentais à identidade e ao desenvolvimento da personalidade. Diga-se, numa palavra, que o respeito puro e simples pela verdade biológica sugere claramente a imprescritibilidade. Por se nos afigurar dogmaticamente mais consistente, a tese da imprescritibilidade, em que é o respeito pela ver- dade biológica que a sugere, a ela aderimos, e no que aqui interessa, quanto à ação de impugnação da paternidade. Com efeito, para além da Autora defender um direito próprio à verdade biológica quanto à paternidade (presu- mida) do então seu marido, não deixa de estar também a garantir um direito à identidade do seu filho, apesar deste se apresentar, processualmente, como Réu, pelo que se está portanto e sempre, perante uma questão de filiação, nesta ação de impugnação. Nesta conformidade, conclui-se pela inconstitucionalidade material do artigo 1842.º n.º1, alínea b) , do CC que estabelece o prazo de caducidade para a ação de impugnação da paternidade, por violação do artigo 26.º n.º1 da CRP. Por isso, não se verifica a caducidade da ação, o que implica a revogação da decisão recorrida». 3. Foi desta decisão que o Ministério Público interpôs o presente recurso para apreciação da norma do artigo 1842.º, n.º 1, alínea b) , do CC, na redação dada pela Lei n.º 14/2009, de 10 de Abril, por violação do artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP). 4. Notificado para alegar, o Ministério Público conclui, entre o mais, o seguinte: «(…) 59.º Por todo o exposto ao longo das presentes alegações, e embora sem deixar de reconhecer, mais uma vez se sublinha, que qualquer posição adotada, em matéria de direito de família, designadamente no domínio da filiação, é suscetível de leituras multifacetadas, assentes em conceções muito pessoais da valoração dos interesses em con- fronto neste tipo de relações, propende-se a concluir, como o Acórdão recorrido do Tribunal da Relação do Porto, pela inconstitucionalidade material do artigo 1842, n.º 1, alínea b) , do Código Civil. 60.º Com efeito, considerando que o princípio da verdade biológica parece encontrar-se subjacente às últimas alte- rações legislativas sobrevindas em matéria de direito de família e de filiação, a conclusão a retirar de tal constatação é a de que a definição da relação jurídica familiar não deve poder ficar sujeita a prazos de caducidade que impeçam a sua concretização. Tais prazos não se revelam absolutamente necessários e, muito menos, proporcionais, aos valores que estão em causa neste tipo de relação.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=