TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013

537 acórdão n.º 419/13 Cumpre apreciar e decidir. 2. O presente recurso de constitucionalidade, interposto pelo Ministério Público, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a) , da Lei do Tribunal Constitucional, tem por objeto a alegada desaplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, da norma do artigo 736.º, n.º 1, do Código Civil, que prescreve o seguinte: «O Estado e as autarquias locais têm privilégio mobiliário geral para garantia dos créditos por impostos indi- retos, e também pelos impostos diretos inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou ato equi- valente, e nos dois anos anteriores.» A questão que competia ao tribunal recorrido dirimir era a de saber se o privilégio mobiliário geral ins- tituído por essa disposição relativamente a impostos indiretos poderá determinar a preferência do Estado em relação ao crédito do exequente quando as dívidas por impostos indiretos (no caso respeitantes ao pagamento do IVA) que ainda se não tinham constituído na data em que se deve considerar realizada a penhora. Partindo de uma interpretação sistemática do preceito, em que se toma por referência o disposto nos artigos 604.º, n.º 2, e 822.º do Código Civil, e considerando que a preterição do credor comum em relação a créditos inexistentes à data da penhora é suscetível de pôr em causa o princípio da confiança constitucional- mente garantido, o acórdão recorrido acabou por concluir que o n.º 1 do artigo 736.º do Código Civil deve ser interpretado no sentido de que o privilégio mobiliário geral do Estado por créditos de imposto indireto tem como limite que o mesmo se constitua até à data da penhora ou seja referente a essa data. Neste contexto, a subsequente declaração de que a norma viola o princípio constitucional da confiança quando interpretada «no sentido de não estabelecer como limite temporal para a existência de crédito privi- legiado do Estado por imposto indireto a data da penhora», surge como um mero obiter dictum destinado a servir, na economia do acórdão, como reforço argumentativo para a adoção de uma interpretação que não se mostre conflituante com a Lei Fundamental. Na verdade, o acórdão recorrido efetuou uma interpretação conforme à Constituição escolhendo um dos sentidos possíveis da norma quer à luz do seu teor literal quer com base no recurso a outros elementos de interpretação. E, nestes termos, o acórdão recorrido aplicou a norma sindicada com um certo sentido, que é ainda perfeitamente plausível, e que afasta o vício de inconstitucionalidade que lhe pudesse ser imputado. Não existe, neste caso, uma verdadeira recusa de aplicação de norma por inconstitucionalidade, o que só se verificaria se o tribunal recorrido tivesse adotado, a pretexto de uma interpretação conforme, um sentido inteiramente incomportável em face da literalidade do preceito, e que implicasse, na prática, a desaplicação de qualquer dos sentidos possíveis que pudessem ser atribuídos à norma. Não se verifica, deste modo, um dos pressupostos de que depende a interposição do recurso ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a) , da LTC, pelo que não é de conhecer do recurso. 3. Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do recurso por falta de um dos seus pressupostos processuais. Sem custas. Lisboa, 15 de julho de 2013. – Carlos Fernandes Cadilha – Catarina Sarmento e Castro – Maria José Rangel de Mesquita – Lino Rodrigues Ribeiro – Maria Lúcia Amaral.

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