TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
536 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional: 1. No processo executivo que A. instaurou contra B., Lda., e que corre termos na Vara de Competência Mista do Funchal, o Ministério Público veio reclamar, em representação da Fazenda Nacional, nos termos do artigo 865.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, créditos referentes ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos anos de 2007, 2008 e 2009. A exequente impugnou a reclamação, defendendo que tais créditos, reportando-se a dívidas posteriores ao arresto convertido em penhora, que ocorreu em 21 de julho de 2006, deveriam ser graduados posterior- mente ao seu crédito. Por sentença de 4 de maio de 2011, foi julgada improcedente a impugnação, e, consequentemente, ordenou-se a graduação do crédito exequendo após os créditos reclamados pelo Estado, invocando-se como fundamento que o privilégio creditório de que beneficia o Estado é inerente ao imposto de IVA, vigorando independentemente da sua constituição. Dessa decisão a exequente interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, alegando, além do mais, que a norma do n.º 1 do artigo 736.º do Código Civil, conferindo privilégio mobiliário geral ao Estado para garantia de créditos por impostos indiretos, deve ser interpretada no sentido de que esse privilégio tem como limite que o crédito se constitua ou seja inscrito para cobrança até ao ano da data da penhora/arresto, por ser essa a única interpretação compatível com o princípio da segurança jurídica ínsito na Constituição da República. Concluindo, desse modo, que a sentença recorrida violou as disposições conjugadas do n.º 2 do artigo 735.º e do n.º 1 do artigo 736.º do Código Civil, os artigos 622.º, n.º 2, e 822.º do mesmo Código, e ainda o princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de direito democrático previsto no artigo 2.º da Constituição. Por acórdão de 6 de dezembro de 2011, o Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que a norma do artigo 736.º, n.º 1, do Código Civil, interpretada no sentido de não estabelecer como limite temporal para a existência de crédito privilegiado do Estado por impostos indiretos a data da penhora, viola o princípio constitucional da confiança ínsito no artigo 2.º da Constituição, e, nesses termos, considerou que os créditos reclamados pelo Estado relativamente aos anos 2007, 2008 e 2009, sendo posteriores à penhora, não gozam de privilégio mobiliário geral por forma a poderem ser pagos preferentemente ao crédito da exequente, vindo a julgar procedente a apelação e a revogar a sentença recorrida para ser substituída por outra que gradue o crédito exequente à frente do crédito do Estado. Dessa decisão, o magistrado do Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a) , da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), por considerar ter havido recusa de aplicação de norma com fundamento em inconstitucionalidade. Tendo o processo prosseguido para apreciação do fundo, o Procurador-Geral adjunto apresentou alega- ções, em que conclui do seguinte modo: «1.º – Não viola o princípio constitucional da confiança, ínsito no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, a interpretação do artigo 736.º, n.º 1, do Código Civil, no sentido de não estabelecer, como limite temporal para a existência de crédito privilegiado do Estado por imposto indireto, a data da penhora. 2.º – Na verdade, a natureza e origem de tais créditos fiscais – e a relevância constitucional atribuída ao «sistema fiscal» – justificam e legitimam a quebra da regra da par conditio creditorum , determinada pela oponibilidade do privilégio ao credor comum, que figura como exequente. 3.º – Termos em que deverá proceder o presente recurso de constitucionalidade, revogando-se, em conformi- dade, o Acórdão recorrido, de 6 de dezembro de 2012, do Tribunal da Relação de Lisboa.» Não houve contra-alegações.
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