TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013

529 acórdão n.º 418/13 progressivamente­sedimentada na verificação do aumento de mortes e de ferimentos graves nas estradas nacionais, em resultado da condução sob aquela influência.» Acontece que, correspondendo a proteção dos direitos fundamentais a uma exigência positiva de atua- ção dos poderes públicos, consubstanciada na garantia de efetiva tutela material de tais direitos, nomeada- mente tutela penal (cfr. J. Miranda e R. Medeiros, op. cit. , p. 557), a criação de tipos legais incriminatórios não pode deixar de ser acompanhada de meios legais que permitam tornar exequível e operante a produção de prova dos factos respetivos e o seu consequente sancionamento, sob pena de ficar prejudicada a satisfação das necessidades de proteção dos bens jurídicos tutelados e as restantes finalidades de prevenção das penas. No caso da condução em estado de embriaguez – que pressupõe uma exata quantificação da taxa de alcoolemia, apenas aferível com recurso a meios técnicos legalmente definidos e num período de tempo muito limitado (tratando-se de informação perecível) – a eventual proibição da recolha de amostra de san- gue, em condutores incapazes de prestarem ou recusarem o seu consentimento, corresponderia à impossibili- dade de produção de prova relativa aos elementos objetivos do tipo legal e, em consequência, à impunidade dos eventuais crimes praticados por tais condutores. Aliás, tal proibição poderia conduzir ao perverso resul- tado de os condutores com mais elevada taxa de álcool no sangue, cuja incapacidade de prestar ou recusar o consentimento à recolha da amostra de sangue esteja mais ligada à presença de tal substância no organismo do que às consequências do acidente – maxime , os que chegam ao estabelecimento hospitalar em situação próxima do estado de coma alcoólico – não serem responsabilizados pela prática do crime previsto no artigo 292.º do Código Penal. 7. O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar sobre várias questões de constitu- cionalidade material relativas a testes de deteção de álcool, utilizando argumentação, cuja validade, mutatis mutandis , pode ser transposta para a apresente situação. No âmbito do Acórdão n.º 319/95, a propósito do exame de pesquisa de álcool no ar expirado, referiu- -se o seguinte: «A submissão do condutor ao teste de deteção de álcool (e, assim, a norma do artigo 6.º, n.º 1, que a permite) também não viola o dever de respeito pela dignidade da pessoa do condutor, nem o seu direito ao bom nome e à reputação, nem o direito que ele tem à reserva da intimidade da vida privada. Desde logo, tais direitos não proíbem a atividade indagatória do Estado, seja ela judicial, seja policial. O que o princípio do Estado de direito impõe é que o processo ( maxime , o processo criminal) se reja “por regras que, respeitando a pessoa em si mesma (na sua dignidade ontológica), sejam adequadas ao apuramento da verdade” (cfr. Acórdão n.º 128/92, publicado no Diário da República , II Série, de 24 de julho de 1992). Ora, o exame para pesquisa de álcool, com o recorte que, nos seus traços essenciais, dele se deixou feito, destinando-se, não apenas a recolher uma prova perecível, como também a impedir que um condutor, que está sob a influência do álcool, conduza pondo em perigo, entre outros bens jurídicos, a vida e a integridade física próprias e as dos outros, mostra-se necessário e adequado à salvaguarda destes bens jurídicos e ao fim da descoberta da verdade, visado pelo processo penal. Ao que acresce que o quadro legal que rege a matéria, na parte em que permite que os agentes de autoridade policial submetam, por sua iniciativa, os condutores ao teste de deteção de álcool, é de molde a garantir que a atividade policial, essencialmente preventiva, se desenvolva "com observância das regras gerais sobre polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos" (cfr. artigo 272.º da Constituição). Concretamente no que concerne ao dever de respeito pela dignidade da pessoa do condutor, não é a submissão deste a exame para deteção de álcool que pode violá-lo. O que atentaria contra essa dignidade seria o facto de se sujeitar o condutor a exame de pesquisa de álcool, fazendo-se no local alarde público do resultado, no caso de ele ser positivo.

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