TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013

528 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL deteção do estado de influenciado pelo álcool, se traduz numa intervenção de reduzida interferência na integri- dade física do examinando, sendo pois subsumível a uma violação de tal direito de reduzida intensidade. No tocante à integridade moral ou psíquica, enquanto bem jurídico relativo à autodeterminação e livre manifestação de vontade de cada pessoa, diremos que a ressonância que sobre a mesma se produz pela recolha de amostra de sangue, nas circunstâncias em análise, resulta não da direta violação da vontade do examinando – como sucederia, caso se admitisse a execução forçada da recolha, perante a recusa – mas da impossibilidade de considerar tal vontade, no sentido de executar a intervenção, apesar do estado do exami- nando não lhe permitir prestar ou recusar o consentimento. Igualmente se pode considerar que o direito à reserva da vida privada, tutelado no artigo 26.º da CRP, é afetado pela recolha de amostra de sangue. Porém, o alcance intrusivo de tal intervenção é reduzido, tanto mais que envolve apenas a extração de uma amostra de um definido material biológico, com vista a uma informação muito circunscrita, destinada a fins legalmente fixados, sendo que a recolha se desenrola num espaço recatado – o estabelecimento hospitalar –, sendo realizada por profissionais de saúde sujeitos a segredo profissional. 6. Assente que a interpretação normativa que analisamos contende com o direito à integridade pessoal – nas componentes de direito à integridade física e à autodeterminação – e com o direito à reserva da vida privada do examinando, teremos de verificar se tal interferência é justificada pela proteção de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. A circulação rodoviária, constituindo uma atividade de manifesta utilidade social, acarreta riscos consi- deráveis de lesão de bens jurídicos fundamentais como a vida, a integridade pessoal, a propriedade privada. Atendendo à elevada sinistralidade das nossas estradas e a preponderância de circunstâncias atinentes ao condutor como fatores causais de acidentes, tornou-se imperioso garantir a adoção de especiais medidas legislativas destinadas a garantir a segurança rodoviária, nomeadamente através da imposição da abstenção de conduzir a indivíduos que se encontrem em condições psicomotoras suscetíveis de propiciar um aumento do risco de produção de acidentes. Sendo conhecida a interferência do consumo de álcool no comportamento dos condutores – designada- mente quanto ao processamento e interpretação de estímulos exteriores, bem como quanto ao tempo e qua- lidade da reação aos mesmos – o legislador intensificou a tutela dos bens jurídicos afetados pelo incremento do risco resultante da condução sob influência de tal substância. Neste contexto, no âmbito da tutela penal, antecipou a proteção do bem jurídico segurança rodoviária – e, reflexamente, a tutela da vida e integridade pessoal, bem como do direito à propriedade privada – a um momento prévio à produção do resultado de dano ou de perigo, consagrando um tipo legal de perigo abs- trato, no artigo 292.º do Código Penal (condução de veículo em estado de embriaguez). Sobre a conformidade constitucional de tal tipificação, já o Tribunal Constitucional teve ocasião de se pronunciar, no âmbito do Acórdão n.º 95/11, referindo nomeadamente o seguinte: «(…) não se vislumbra de que modo pode verificar-se uma violação do princípio da intervenção mínima do Direito Penal – assente na ideia de proporcionalidade na restrição do direito à liberdade pessoal (artigo 18.º, n.º 2, da CRP) –, na medida em que aquela restrição é, simultaneamente, “necessária” à proteção de outros bens jurí- dicos constitucionalmente protegidos, “adequada” à diminuição dos riscos de lesão de tais bens e “proporcionada em sentido estrito”, por assentar em critérios médico-científicos consensualizados que permitem aferir o grau de perturbação dos condutores sobre a influência de álcool. De igual modo, à semelhança do que já foi dito por este Tribunal a propósito do Acórdão n.º 426/91, tal incriminação não belisca igualmente quer o princípio da culpa (artigos 1.º, 2.º e 25.º, n.º 1, todos da CRP), quer o princípio da presunção de inocência (artigo 32.º, n.º 2, da CRP). Por um lado, o crime de condução sob a influência de álcool já adquiriu uma ressonância ética indesmentível na comunidade jurídica portuguesa,

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