TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
527 acórdão n.º 418/13 Encontra-se sobretudo associado ao direito ao silêncio, ou seja, à faculdade de o arguido não pres- tar declarações autoincriminatórias, nomeadamente não respondendo a questões sobre os factos que lhe são imputados e cuja prova pode importar a sua responsabilização e sancionamento. Protege igualmente o arguido contra o exercício impróprio de poderes coercivos tendentes a obter a sua colaboração forçada na autoincriminação, nomeadamente mediante a utilização de meios enganosos ou coação (cfr. M. Costa Andrade, Sobre as proibições de prova em processo penal , Coimbra Editora, 1992, p. 120 e segs). A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem considerado que o direito à não autoincriminação não se estende à utilização, num processo criminal, de meios de prova que possam ser obtidos do arguido e que existam independentemente da sua vontade, por exemplo, recolha de amostras de sangue (cfr. caso Saunders v. Reino Unido, decisão de 17 de dezembro de 1996). Assim, à semelhança do que o Tribunal Constitucional já decidiu, a este propósito, no âmbito do Acór- dão n.º 155/07 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt , onde se poderão encontrar os restantes arestos, citados infra), diremos que a recolha de amostra de sangue, para deteção do grau de alcoolemia, em condutor incapaz de prestar ou recusar o seu consentimento, não implica uma violação do direito à não autoincrimi- nação, sendo que tal recolha constitui a “base para uma mera perícia de resultado incerto”, não contendo qualquer declaração ou comportamento ativo do examinando no sentido de assumir factos conducentes à sua responsabilização. 5. A decisão recorrida enfatiza, de modo especial, a violação do direito à integridade física que a inter- pretação normativa, cuja aplicação é recusada, comporta. Analisemos a obrigatoriedade de sujeição a colheita de amostra de sangue, por parte de condutor cujo estado de saúde não lhe permita prestar ou recusar o consentimento, na perspetiva da interferência no res- petivo direito à integridade física, ou, de forma mais ampla, no direito à integridade pessoal, plasmado no artigo 25.º da Constituição da República Portuguesa (doravante designada por CRP). A proteção da integridade pessoal abrange duas dimensões, que a Lei Fundamental designa por inte- gridade física e integridade moral, e surge como um corolário do reconhecimento da dignidade da pessoa humana como alicerce do Estado de direito (artigo 1.º da CRP). A circunstância de o artigo 25.º, n.º 1, da CRP referir que “a integridade moral e física das pessoas é inviolável” não significa qualquer prevalência absoluta deste direito em relação a outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, mas apenas uma “interdição absoluta das formas mais intensas da sua vio- lação”, conforme resulta do n.º 2 do mesmo preceito (cfr. J. Miranda e R. Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, p. 553). Ora, a recolha de amostra de sangue, envolvendo uma punção venosa e a subtração de material bioló- gico que não seria naturalmente expelido pelo organismo, corresponde a uma interferência na integridade física de outrem. Porém, tendo em conta as características de tal intervenção – nomeadamente o facto de ser obrigatoriamente realizada em estabelecimento de saúde, com observância das leges artis médicas; o grau de afetação da integridade corporal envolvido, designadamente a duração, a dor ou incómodo infligido, bem como a reversibilidade da lesão, na perspetiva da facilidade de recuperação dos tecidos afetados e da sua (ir) relevância no contexto do funcionamento global do organismo – poderemos concluir que se traduz numa violação do direito à integridade física do visado de grau muito baixo. Obviamente, excluir-se-ão desta análise as situações em que, por razões médicas que se prendam com a especial condição de saúde do examinando, a recolha de tal material biológico possa estar contraindicada, por acarretar especial perigo ou risco. Para tais casos, valerá o disposto no n.º 3 do artigo 156.º do Código da Estrada, sendo que, ainda que não seja possível a realização de exame médico alternativo, estará prejudicada a imposição da recolha de amostra de sangue. Tais situações excecionais – que se encontram normativamente salvaguardadas – não alteram os dados da apreciação a que procedemos, conducentes à conclusão de que a recolha de amostra de sangue, para efeito de
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