TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013
484 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL b) Tal incumprimento/omissão conduziu a que as falhas documentais que estiveram na base da condenação dos Arguidos fossem tidas, durante anos, como perfeitamente regulares por aquele Instituto. E gerou, con- comitantemente, de forma legítima, nos Arguidos a confiança na regularidade da sua atuação. c) O Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29 de junho entendeu, não obstante o exposto, que o atropelo por parte do Instituto da Vinha e do Vinho daqueles acima referidos deveres não violava a obrigação da Administração de agir em conformidade com o princípio da boa fé, na vertente da tutela da confiança. d) Ora, a interpretação sufragada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, designadamente a fls. 287 a 292 do aresto de 29 de junho de 2011, resulta num segmento normativo segundo o qual “age de boa fé e não viola a confiança dos administrados a Administração que, tendo a obrigação (i) de prover ao cumprimento da legislação comunitária aplicável à atribuição de fundos comunitários e (ii) de definir e publicitar regras e procedimentos básicos sob os quais deveria pautar e orientar a sua atuação na coordenação, regulação e controlo de um determinado setor de atividade, não faz, durante anos, uma coisa nem outra”. e) A norma do artigo 6.º-A do Código do Procedimento Administrativo, na mencionada interpretação sufra- gada pelo Tribunal da Relação de Coimbra a fls. 287 a 297 do aresto de 29 de junho, viola, pois, frontal- mente o princípio da boa fé plasmado no artigo 266.º, n.º 2 da CRP. f ) O Recorrente suscitou a questão desta concreta inconstitucionalidade, designadamente, nas páginas 63 a 68 e na conclusão 13.ª das alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra. 3) Da inconstitucionalidade decorrente da omissão do dever de reenvio: a norma do parágrafo 3 do artigo 267.º do Tratado da União Europeia e a norma do artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro a) Os pressupostos do crime em que o Arguido foi condenado – fraude na obtenção de subsídio consistente na atribuição de restituições à exportação de vinho de mesa para fora da Comunidade – são concretamente definidos pela regulamentação comunitária, nomeadamente pelos Regulamento n. os 351/79, 822/87 e 3665/87. b) Ou seja, embora o tipo legal de crime esteja previsto no artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro, a verificação dos requisitos materiais e formais de que dependia a atribuição, ou não, da ajuda à restituição está inteiramente dependente do direito comunitário. c) Esta questão é desenvolvida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, designadamente, a páginas 266 a 280 do Acórdão de 29 de junho de 2011 e a páginas 2 e 3 do Acórdão de 30 de maio de 2012. d) Ora, perante as dúvidas de interpretação dos artigos 67.º, n.º 1 do Regulamento n.º 822/87, 13.º do Regu- lamento n.º 3.665/87, 1.º, n.º 1 e n.º 3, alínea d) , 2.º, n.º 1 e 3.º, n.º 1 do Regulamento n.º 351/79, bem como do artigo 24.º, n.º 1 do Regulamento (CE) n.º 883/2001 da Comissão, de 24 de abril, bem como da questão relativa à inaptidão e incapacidade do método comunitário para detetar a falsificação de vinho pela adição de álcool, impunha-se ao Tribunal da Relação de Coimbra que efetuasse, ex oficio, o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia. e) Na verdade, estando em causa uma questão de interpretação de Direito Comunitário primário, que assume decisiva relevância para a questão sub judice – existência de práticas enológicas proibidas –, e não sendo admitido recurso do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de acordo com a alínea f ) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, deveria este Tribunal ter suspendido a presente instância e submetido ao Tribunal de Justiça da União Europeia, ao abrigo do disposto no paragrafo 3 do artigo 267.º do Tratado da União Europeia, a questão prejudicial da interpretação das referidas normas comunitárias. f ) Ao não dar cumprimento ao dever de reenvio imposto pelo parágrafo 3 do artigo 267.º do TCE, o Tribunal da Relação de Coimbra interpretou/aplicou, implicitamente, a referida norma em violação dos n. os 1 a 4 do artigo 8.º da CRP. g) Uma tal interpretação/aplicação é, ainda, inconstitucional por violação do princípio do juiz legal/natural, consagrado nos artigos 32.º, n.º 9, 216.º, n.º 1 e 217.º, n.º 3, da CRP, uma vez que implica a negação da competência exclusiva atribuída ao TJUE para julgar questões prejudiciais relativas à interpretação de
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