TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 87.º Volume \ 2013

470 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ­Procedimento Administrativo). Ora, a eventual violação desse mesmo princípio não decorre, automaticamente, da mera cumulação daquelas qualidades jurídicas, antes sendo forçoso verificar-se se da atuação concretamente adotada pelo Departamento de Jogos da SCML se pode concluir que foram tomadas decisões administrativas que enfermam de ilegalidade, por violação desse mesmo “princípio da imparcialidade”. Em sentido próximo se pronunciou já o Acórdão n.º 595/12 (com posterior adesão à sua fundamen- tação, pelo Acórdão n.º 49/13) que, precisamente sobre a mesma norma que constitui objeto do presente recurso, já teve a oportunidade de considerar que: «Como o Tribunal disse no Acórdão n.º 581/04 (disponível, como os demais citados sem outra indicação em www.tribunalconstitucional.pt ) , a propósito de acusação semelhante, “a posição do arguido está garantida, não apenas, em primeiro lugar, nos limites das especificidades do processo administrativo, e, depois, na possibilidade de os destinatários da decisão promoverem a sua apreciação judicial, com todas as garantias inerentes ao processo jurisdicional [...]. Em suma: não só o ato em causa não é de molde a pôr logo em questão a imparcialidade do decisor, como a garantia constitucional dos direitos de audiência e de defesa em processo contra‑ordenacional (n.º 10 do artigo 32.º da Constituição) não pode comportar a consagração de um princípio da estrutura acusatória do processo idêntico ao que a Constituição reserva, no n.º 5 do artigo 32.º, para o “processo criminal”, como, ainda – e, numa certa perspetiva, decisivamente –, a posição do arguido está garantida pela possibilidade de recurso jurisdicional. O n.º 10 do artigo 32.º da Constituição não é, pois, desrespeitado só pelo mero facto de não serem diferentes os funcionários que confirmam o auto de notícia e proferem a decisão final”. Se isto é assim quando a identidade entre o autor da investigação ou do impulso processual e o da decisão respeita à pessoa física, sê-lo-á, por maioria de razão quando a confusão ou não separação de poderes ou funções no âmbito do mesmo processo é meramente orgânica, como no caso sucede. Não se ignora que, em alguns regimes especiais, sem subtrair o processamento e decisão primária à esfera da Administração, se estabelece diferenciação de funções ou competências no seio do processo de contraorde- nação, que pode ir ao ponto de a entidade administrativa competente para a decisão não integrar a autoridade administrativa competente para investigação (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contraordenações, p. 119). É solução que cabe na discricionariedade legislativa, mas que não decorre das garantias constitucionais relativas ao processo de contraordenação, garantida que está a possibilidade de o arguido ser ouvido e se defender antes da decisão administrativa sancionatória e a impugnação desta em todos os seus aspetos lesivos, perante um tribunal independente e imparcial e com plena jurisdição, mediante um processo contraditório. 7. É certo que desde logo decorre do princípio do Estado de direito, proclamado no artigo 2.º da Constitui- ção, que o processo de contraordenação tem de ser um “processo justo” em todas as suas etapas, nessa exigência se incluindo que a estrutura organizatória e a configuração normativa do processo (bem como o seu concreto desenvolvimento) permitam que quem investiga e decide na fase administrativa reúna requisitos de isenção e imparcialidade e possa ser visto como tal. Só assim o poder público se legitima como ordenado ao fim de garantir a dignidade da pessoa humana, a liberdade, a justiça e a segurança, elementos cardeais do entendimento contem- porâneo do princípio. (…) Mas, diversamente da imparcialidade judicial, a imparcialidade da Administração (das “autoridades admi- nistrativas” na terminologia do RGCO) não implica a neutralidade do decisor. As “autoridades administrativas” ainda quando aplicam sanções em ilícito de mera ordenação social não dirimem conflitos de interesses púbicos e privados: prosseguem o(s) interesse(s) público(s) postos pela lei a seu cargo. Quer as que investigam, quer as que são chamadas a aplicar a sanção. E isso mesmo não pode deixar de considerar-se representado pelo legislador cons- tituinte quando acolheu o ilícito de mera ordenação social com a característica essencial de a “primeira palavra” sancionatória pertencer, em princípio, à Administração e se absteve de sujeitar o respetivo processo ao princípio do acusatório.  Não pode, assim, subscrever-se a afirmação de que, em ordem a respeitar a exigência de um processo equita- tivo, a entidade com poderes de fiscalização e sancionatórios deva deter uma estrutura independente em relação

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